A juventude é uma fase da vida marcada por muitas descobertas, anseios, sonhos, dúvidas e expectativas para o futuro, porém o crescente número de jovens entre 15 a 29 anos desinteressados em trabalhar ou estudar, tem chamado a atenção. Para entender melhor a geração chamada “nem-nem” [composta por jovens que nem estudam, nem trabalham], o Sentinela conversou com a psicanalista da Clínica Mente Sana, Claudia Lorena Ferlin, de São José do Cedro.
Longe de ser uma condição simplesmente associada à preguiça ou desinteresse, Claudia explica que o fenômeno envolve múltiplos fatores sociais, emocionais e familiares. “A geração ‘nem-nem’ é aquela que não faz nenhuma atividade, não tem nenhuma ocupação”, resume a profissional. A falta de engajamento em atividades formais é vista como consequência de pressões intensas e expectativas frustradas em relação ao futuro.
A psicanalista observa que essa situação pode ser reflexo de fatores mais profundos do que uma simples escolha, pois muitas vezes esses jovens se sentem pressionados a escolher uma profissão para o resto da vida e acabam não estudando.
No campo do trabalho, ela aponta que a busca por dinheiro fácil tem sido um dos fatores que tem afastado esses jovens do mercado de trabalho. Claudia relata que a internet e os influenciadores, apresentam jogos e outras formas de ganhar dinheiro não convencionais como o trabalho formal. Mediante a isso, esses jovens acreditam que podem ganhar dinheiro sem esforço: “Isso poderá impactar profundamente o futuro profissional desses jovens, uma vez que não iniciam a carreira profissional de forma adequada”.
O cenário na região e os gatilhos emocionais
Nas cidades pequenas ou em contextos rurais, como em São José do Cedro e região, o fenômeno se manifesta, mas com nuances distintas: “Temos muitas famílias na área rural e o jovem que não quer permanecer no interior, não tem vontade de trabalhar em sua propriedade e quer sair. Quer experimentar o mundo, quer fazer outras coisas, porém às vezes é impossibilitado disso. O que faz com que desanime tanto de procurar novas oportunidades, quanto de trabalhar na terra”, comenta a psicanalista.
Já nos centros urbanos, o cenário é outro. Ela relata que as facilidades em relação ao acesso às mídias sociais e a internet, acabam sabotando a vontade desses jovens de fazer uma faculdade ou ter um emprego regular.
A falta de perspectivas claras também impactam diretamente a saúde mental dos jovens. O fato da geração “nem-nem” acreditar que o seu futuro é incerto, passam a apresentar quadros de ansiedade, levando a depressão. “Se esse jovem começa acreditar que o seu futuro é incerto e ruim, irá se sentir desanimado em criar possibilidades para melhorar o seu futuro”, pontua Claudia.
Além do sofrimento emocional, há consequências no desenvolvimento da identidade desses adolescentes e jovens adultos. Quando mais velhos, essas mesmas pessoas poderão se tornar adultos com autoestima baixa, indecisos, sem personalidades, com traços depressivos e com sintomas patológicos.
Questionada sobre como isso afeta a dinâmica familiar, ela comenta que os jovens que compõem a geração “nem-nem” se tornam dependentes emocionalmente e financeiramente de seus familiares, por mais tempo do que o normal. Para a sociedade em geral, esse jovem deixará de produzir e de contribuir como o esperado, tornando-se um custo alto para a sociedade.
O papel da família
Diante desse cenário, o papel da família é essencial. Claudia explica que os pais podem contribuir ajudando os seus filhos a entender suas necessidade e orientando para um futuro onde desenvolvam suas qualidades e superem suas expectativas: “Os pais podem ajudar os seus filhos a entender quais são suas expectativas e a sua visão sobre o futuro, além daquilo que precisa ser melhorado”.
Nesses casos ela destaca a importância do acompanhamento psicológico, pois ao paciente falar, ouvir-se e trabalhar em suas questões mais profundas, esse jovem poderá mudar a visão sobre si mesmo e sobre o mundo.
Porém para evitar esse fenômeno, os pais devem ensinar desde cedo sobre as vantagens e os privilégios de ter um trabalho, incentivá-los a ser alguém e a buscar um futuro melhor. Mas para isso, é necessário que os pais sirvam de exemplo para os seus filhos.
Ainda há esperança na geração “nem-nem”
Apesar dos desafios, a psicanalista tem esperança na geração “nem-nem” e acredita que é possível reverter esse quadro. “A geração ‘nem-nem’ poderá ter maior interesse em avançar na vida e obter conquistas, à medida em que vão amadurecendo e flexibilizando sua mentalidade, entendendo o seu papel e pertencimento no mundo”, conclui a psicanalista Claudia.