28/06/2023 às 16h52min - Atualizada em 28/06/2023 às 16h52min

R$ 1 milhão abandonado no interior de Anchieta

O terreno em volta da Unidade de Beneficiamento de Pescados está tomado pelo mato que já alcançou a altura das janelas, mais de R$ 1 milhão em investimentos estão parados

Anchieta
Da redação
ASO
A Unidade de Beneficiamento de Pescados, que fica na linha São José, interior de Anchieta, é resultado da mobilização de um grupo de agricultores, que em 1997 foi em busca de conhecimento e recursos para sua implantação. Em 2008, o Governo federal realizou os primeiros investimentos para construção da unidade de beneficiamento de pescados, que, na época, representava a geração de emprego e renda para as famílias que viviam na comunidade. Hoje, após 15 anos, a Unidade de Beneficiamento de Pescados é um prédio abandonado, sem utilidade.
“Hoje tem R$ 400 mil só em equipamentos dentro da fábrica”, a afirmação é do agricultor Mauri Prochnov, que foi um dos idealizadores do projeto. Faz dois anos que a indústria de pescado não funciona mais.
 
Histórico
Mauri relata que muitas dificuldades foram enfrentadas para implantar a unidade. “Não haviam linhas de créditos, nem qualquer incentivo que pudesse se reverter em recursos. Com muito custo, as famílias da comunidade tomaram empréstimos para construir os primeiros açudes em 2000”, destacou.
Outro desafio foi obter conhecimento sobre produção de peixe. Para isso, os agricultores participaram de diversos cursos e seminários, posteriormente criaram uma associação que, em 2008, conseguiu recursos do Governo Federal para a construção da unidade. Há época, o ex-prefeito Antoninho Mariani aprovou a concessão de um terreno de 1.500 metros quadrados para construção da unidade.
Conforme informações apuradas pelo Sentinela, em 2010 iniciou a construção da segunda etapa da Unidade de Beneficiamento, o investimento da União foi de R$ 301.169,16. De acordo com o pregão eletrônico nº PE-015/2008, assinado pelo ex-ministro da pesca e aquicultura, campoerense Altemir Gregolin, o Governo Federal investiu mais R$ 57.524,00 na aquisição de equipamentos para manipulação dos peixes, freezer, cortinas e seladoras. Ideli Salvatti, assumiu o ministério da Pesca e Aquicultura em janeiro de 2011
Buscando parcerias para desenvolver ainda mais o negócio, em 2012 os agricultores procuraram apoio da cooperativa Oestebio de São Miguel do Oeste. Após várias conversas entre a cooperativa, associação, Ministério da Pesca e Aquicultura e a prefeitura de Anchieta em 2013, foi definido que a Oestebio assumiria a administração da unidade.
“Nós não conseguimos continuar sozinhos. No começo achávamos que seria uma coisa, mas na realidade era outra, tinha muita burocracia envolvida e nós só conseguimos vender para Anchieta. Nós desistimos de continuar e a Unidade estava fechada, foi quando entramos em contato com a Oestebio e eles assumiram, realizaram investimentos, gastaram R$ 28 mil para trazer a rede trifásica e equipar o local”, relata Mauri.
Questionado sobre o motivo da desistência, Mauri responde que foram vários fatores: “O veterinário não prestava assistência técnica, ele vinha, abria uma tilápia e ficava no computador o dia todo, não acompanhava a produção dos peixes. Só podia abater tilápia, e a tilápia só se desenvolve bem no verão, no inverno a gente trata, mas ela não cresce. Não tínhamos câmara fria para estocar os peixes, então não dava pra abater muito, pra vender era só aqui em Anchieta, a ração se tornou muito cara, não recordo o quanto era pago na época, hoje tá em R$ 4 reais e pouco o quilo de ração pra peixe. Pra dar lucro a gente precisava aumentar o preço de venda e assim ninguém comprava”.
Em 2014 ocorreu a reinauguração da Unidade de Beneficiamento de Pescados, durante o mandato do ex-prefeito Ari Prestes de Oliveira (MDB), que oficialmente era administrada pela Oestebio, que era presidida por Charles Reginatto, que em entrevista ao Sentinela, no ano de 2015, afirmou que unidade estava abatendo, em média, 200 quilos de tilápia por dia.
Ainda em 2015, o município de Anchieta conseguiu uma emenda parlamentar com a ex-deputada federal Luci Choinacki (PT). O montante de R$ 700 mil seria utilizado para ampliar a capacidade de beneficiamento e armazenagem dos peixes. O objetivo era chegar a 1.500 quilos de filé de tilápia dia.
Quando administrada pelos agricultores, a Unidade possuía apenas a Inspeção Municipal e a promessa, com a direção da Oestebio, era conseguir a inspeção estadual e federal, para que os peixes pudessem ser comercializados em todo território nacional. “Eles conseguiram, mais tarde, comercializar nos municípios da AMEOSC. Eles podiam vender na região, só que aí se tornou inviável. Teve um ponto que a Oestebio foi à falência. Nós temos R$ 24 mil para receber deles, de peixe que vendemos, mas eles não pagaram”, afirma o agricultor.
 
Antoninho Mariani
Em entrevista realizada em março, com o ex-prefeito Antoninho Mariani, ele recorda como foi o processo para conseguir instalar a Unidade de Beneficiamento de Pescados em Anchieta. Conforme ele, o executor da obra foi o Governo Federal, através do Ministério da Pesca. Ele deixa claro que, o município de Anchieta não deu contrapartida em dinheiro, penas cedeu o terreno onde a Unidade foi construída.
“Não houve repasse de recursos ao município para que nós executássemos a obra, também não houve contrapartida nossa em dinheiro. Esse procedimento foi adotado pelo Ministério da Pesca. A empresa que venceu a licitação em Brasília para construir a Unidade era de Curitiba/PR, se não me falha a memória. A execução, o acompanhamento da obra foi todo feito pelo Ministério da Pesca. A Anchieta, como contrapartida, à época, coube escriturar o terreno com aprovação da Câmara de Vereadores”, explica Antoninho.
Ele afirma não saber quanto a União investiu na unidade, mas lembra que a obra foi realizada em duas etapas e a compra dos equipamentos para o abate dos peixes foi realizada em momento posterior.
Segundo Antoninho, o abatedouro de peixes era uma aspiração da associação de agricultores da linha São José, que via no pescado uma alternativa, haja visto a existência de muitos açudes no município e região, que poderiam justificar a construção de um pequeno abatedouro. O alvo era o filé de tilápia.
“Lembro que em seguida, logo após a construção do abatedouro em Anchieta, o Ministério viabilizou a construção de um abatedouro bem maior, em Abelardo Luz/SC. Que, em tese, prejudicou os interesses de quem administrava o de Anchieta ante a escassez de pescado suficiente para garantir o funcionamento deste. A ideia era muito boa, pois além de gerar trabalho e renda, gerava emprego, retorno ao município, ajudava a segurar o agricultor na terra, além do sabor e do cardápio saudável e nutritivo provenientes da carne do peixe”, enfatiza o ex-prefeito.
Antoninho lamenta o fechamento da unidade, lembrando da árdua luta, das viagens e negociações para viabilizar o empreendimento e implantar a unidade, bem como, beneficiar os agricultores e consumidores da carne de peixe. “O valor do filé de tilápia encontramos hoje no supermercado a preço de ouro, ou seja, mais de R$ 40 o quilo. Não conheço as razões do encerramento das atividades, mas o poder público à época fez a sua parte e atendeu a um anseio daquele grupo de agricultores que reivindicavam, com pé firme o empenho da administração municipal”, finaliza Antoninho.
 
Atualmente
Faz dois anos que a Unidade de Beneficiamento de Pescados foi fechada definitivamente. O terreno em volta do prédio está tomado pelo mato, a situação é de abandono. Os equipamentos utilizados para o abate das tilápias estão parados, pegando pó.
Em entrevista com o prefeito Ivan Canci (PT), também no mês de março, o Sentinela soube do desejo de destinar a unidade há outra empresa. Um trâmite que foi iniciado há alguns anos. “Esta não é uma obra do município, é do governo federal, não podemos ceder para ninguém sem licitação. Estivemos em Brasília há alguns anos, falando com funcionários do antigo Ministério da Pesca, ainda estivemos na superintendência do Ministério da Agricultura e Pecuária em Florianópolis, estava tudo encaminhado. Infelizmente a porta foi fechada no final de 2019. Com a troca de governo estamos novamente tentando fazer o repasse a outra cooperativa, mas é um processo moroso”, informou o prefeito.
Fazendo uma conta rápida, se chega ao valor investido de aproximadamente R$ 1,05 milhão em investimentos de recursos públicos na Unidade de Beneficiamento. Não estamos contando aqui o valor do terreno cedido pela prefeitura de Anchieta, nem o valor da primeira etapa da obra. Os investimentos realizados pela Oestebio também não foram contabilizados. Aplicando a correção monetária através do INPC – Indice Nacional de Preço ao Consumidor, hoje esse valor ultrapassa os R$ 2,2 milhões. Ao aplicar a correção pelo INCC – Índice Nacional de Custo da Construção Civil, o valor sobe para R$ 2,5 milhões.
Esta matéria levou três meses para ser escrita. Foram três meses de pesquisa com pessoas que participaram dos trâmites para implantação da Unidade, com as autoridades municipais e em arquivos do Sentinela. Ainda assim, não foi possível apurar com exatidão todos os investimentos realizados da Unidade de Beneficiamento de Pescado.


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