Divulgação Existe um lugar em que você pode estar em três países ao mesmo tempo: o pé direito na Venezuela, o esquerdo na Guiana e os braços no Brasil. Esse ponto fica a mais de 2.500 metros de altitude, no Monte Roraima, e está marcado por um ponto tríplice que fica entre os três países. Recentemente o anchietense Robson Casotti esteve no ponto tríplice. Em entrevista ao Sentinela, ele conta como foi a viagem, percorrida a pé, até o topo do Monte Roraima.
Porque viajou até o Monte Roraima? Gosto de viagens que tem um pouco de aventura e de desafio, são elas que me lavam a alma. Desde 2013 faço longas viagens de moto, mas de tracking [caminhando] eu nunca tinha cogitado a possibilidade. Conhecia o Monte Roraima há algum tempo e sabia que existia uma expedição pra lá, mas nunca me chamou muita atenção. Comecei a pensar na ideia com entusiasmo este ano, mas fui deixando para depois.
Assisti uma palestra com o ex-goleiro da Chapecoense, Jackson Follmann. Ele falou muito sobre o tempo que nós temos e o que vai ser do amanhã. Hoje pode estar tudo certo, mas a gente não sabe o que vai ser da vida amanhã, isso me impactou muito, então depois da palestra resolvi fazer a viagem.
O que muda desta viagem para as viagens de moto? A expedição tem mais de uma modalidade, eu fiz a de sete dias de caminhada, é uma modalidade chamada tracking. São caminhados de 100 a 110 quilômetros nestes sete dias. Aí depende muito do quanto você quer sofrer. Se você se preparar fisicamente será mais fácil, vai enfrentar o trajeto com mais resistência, por mais que pessoas idosas façam esse trajeto, subam o monte, é uma caminhada difícil. Eu pratico atividade física regularmente, mas não com foco em aeróbico, quando decidi subir o monte comecei a me preparar, focar no aeróbico, preparo de pernas e fortalecer a lombar.
Cerca de 70% do monte é venezuelano, 20% brasileiro e 10% é da Guiana. Você sobe e desce a pé pela parte venezuelana [na parte da Guiana é floresta e no lado brasileiro é uma escalada de paredão de pedra, uma atividade técnica]. Então primeiro fui até Boa Vista, no estado de Roraima e depois, junto do restante da expedição, fomos até a cidade de Pacaraima que faz divisa com a Venezuela. Dentro da Venezuela fomos até o Parque Gran Sabana, dali fomos até a Vila indígena de Paratepuy e começamos a caminhada.
Você viajou com uma expedição, quem estava com você? Para subir o monte obrigatoriamente precisa de um guia, pode ser um guia particular, ou você entra em uma expedição, como foi o meu caso. Esses guias são majoritariamente indígenas locais, que dão todo o aparato de carregamento, pois é necessário levar comida para sete dias, barracas para dormir em cima do monte, isso o turista não leva, apenas os guias. O turista leva apenas as suas coisas pessoais. Na nossa expedição estava um guia chefe, mais seis guias indígenas e seis turistas.
Como foi a súbita até o topo do monte? O nosso grupo se atrasou por conta de uma manifestação que tinha na Venezuela, era uma comemoração dos indígenas, então chegamos atrasados no Parque. Há várias regras, para o primeiro dia de caminhada todos os grupos têm que sair até às 13h30. Geralmente a subida é feita em três dias e a descida em dois, nosso grupo teve que fazer a subida e a descida em dois dias, então no primeiro dia, ao invés de caminharmos 14, caminhamos 26 quilômetros, isso tudo ganhando elevação.
É surreal, quando você acha que não tem mais energia o seu corpo ainda aguenta e consegue caminhar por horas. No nosso grupo quase ninguém tinha experiência com tracking, então foi realmente bem difícil.
O que você fez quando chegou no topo do monte? É uma expedição de sete dias, como tem a subida e a descida, ficamos dois dias em cima do monte. Lá tem vários pontos para visitar, como o Vale dos Cristais. Por todo o monte há vários cristais, mas um ponto específico tem uma concentração muito grande deles. É proibido tirar esses cristais de cima do monte. Eles têm o costume de dizer que você pode pegar um em cima do monte, mas antes de descer você tem que deixá-lo em algum ponto em cima da montanha.
É proibido trazer qualquer espécie animal ou vegetal de cima do monte. Como a gente é brasileiro pensa que eles não vão revistar, mas eles revistam tudo na descida.
Há muitos pontos turísticos, visitamos La Ventana que é a borda de um penhasco, as Jacuzzis que são banheiras naturais, o Fosso, é uma caverna com um lago dentro, a gente tomou banho nesse lago e posso dizer que foi o banho mais gelado da minha vida. Ainda visitamos o Marco da Tríplice Fronteira, são 22 quilômetros de caminhada ida e volta, em cima do monte pra visitar esse ponto, passamos por Lá Fenda, que é um mirante natural de rocha que dá visão para um vale. Ainda há outros pontos, lagos, o monte Maverick, que lembra realmente o carro. Mas para ver todos os pontos é necessário passar oito dias em cima do monte.
O visual do parque todo é muito bonito, é diferente do que vemos aqui na região. Você passa pouco tempo sem se deslumbrar com a paisagem, tudo parece a imagem de uma fotografia. O clima é muito diferente, muda de 20 em 20 minutos.
Como é viver, comer e tomar banho em cima do monte? Durante a expedição você vai dormir em barracas durante esses sete dias, os guias montam as barracas nos chamados hotéis, que são paredes de pedra ou até mesmo dentro de cavernas. Você toma banho gelado, na base do monte a água é fria, mas no topo ela é gelada mesmo, os banhos são em rios e vertentes.
Quanto à alimentação, os guias preparam comidas tradicionais deles então conhecemos algumas massas e pratos que eles preparam. A água que consumimos é a água disponível no topo da montanha, de nascentes e fontes que os guias sabem que são seguras para beber, lá em cima tem muita água.
Eles têm muito cuidado com a natureza, quais os cuidados que vocês tiveram que ter? Por parte da agência você recebe uma lista do que comprar e levar. O shampoo e o sabonete precisam ser biodegradáveis. Já que os banhos são tomados em rios e vertentes. São muitos turistas subindo então se não cuidar vai haver problemas com o meio ambiente. Então o cuidado é muito grande com os rejeitos e o lixo, tudo é recolhido e volta para baixo do monte, para que seja dado o destino correto.
É uma viagem desconfortável? Então, é uma viagem onde vai haver desconforto e provação, mas isso fica muito aquém do que você vê e vive. Lá em cima do monte não há nada como imaginamos é diferente, outro mundo, tudo novo, a própria superação de você olhar para trás e ver o trajeto percorrido, é uma sensação muito boa. Em matéria de experiência, foi a melhor que eu tive até hoje. O desconforto certamente dá mais sabor a esta aventura.
É uma viagem muito diferente, apesar de estar em um grupo é uma viagem onde você passa muito tempo em silêncio, até mesmo para poupar energia. É um momento para refletir e admirar. Você não tem celular, não tem sinal, eu usava o celular apenas para tirar fotos, então ele deixou de ser uma ferramenta de trabalho. Quando sentávamos para comer todos conversavam, e as pessoas prestavam atenção umas nas outras. É algo fora do nosso cotidiano.
O que você traz do Monte Roraima? Foi uma das melhores experiências de viagem que já fiz até hoje, uma das mais diferentes, sem dúvidas. Recomendo muito essa viagem para outras pessoas, e não precisa ter experiência em acampamentos para ir. Também não há limite de idade, encontramos um senhor de 71 anos fazendo o passeio.
Eu vim com uma forma um pouco diferente de pensar em relação ao valor que damos para as coisas. Não nos damos conta do quão confortável é um banho quente, uma cama, a possibilidade de comer o que quiser a qualquer hora.
Eu investi R$ 4.800 na expedição, fora o deslocamento até Boa Vista, alimentação e hospedagem em Boa Vista. Na expedição com a Native, inclusive recomendo, eles me passaram muita segurança, eles dão todo o suporte em questão de equipamentos, eles ficam a disposição o tempo todo, até que você monte a sua mochila, o deslocamento de Boa Vista até Paratepuy é por conta da expedição alimentação e o retorno também.