Nelson chegou em Campo Erê com 29 anos, hoje com 72 anos, casado, com quatro filhas, não se preocupou em fazer capital e sim, em dar uma condição melhor para suas filhas. (Foto: Igor Vissotto) Nesta edição, o Sentinela traz a história de Nelson Tresoldi, um homem abençoado com inteligência, que acompanhou de perto o crescimento dos municípios da nossa região, os primeiros plantios diretos de soja e também participou do início das cooperativas agrícolas, sendo o agrônomo mais antigo da região e um dos primeiros do município de Campo Erê.
Nelson nasceu no dia 12 de fevereiro de 1951 no município de Arroio do Meio, localizado no Rio Grande do Sul. Seus pais tiveram 13 filhos e Nelson é o filho mais velho do casal. A família morava no interior de Arroio e lá eles viviam da agricultura familiar, Nelson ajudou muito seu pai, Domínio Germano Tressol, e por esse motivo escolheu atuar na agronomia.
Mesmo que Nelson estivesse no campo diariamente ajudando seu pai, para ele não foi uma opção parar de estudar. Na época as escolas do interior tinham turmas únicas e iam até o 4º ano, ele fez do 1º ao 4º ano no interior e ao concluir, uma freira passou em sua residência e ofereceu uma oportunidade de estudo. Era comum os religiosos irem até o interior buscar as crianças e levar para um internato e seminário e lá dar a elas uma formação religiosa.
Normalmente os filhos mais velhos ficam em casa para ajudar seus pais enquanto os mais novos saem para estudar. Na família de Nelson foi diferente, ele foi o primeiro filho a sair de casa para estudar, enquanto seus irmãos permaneceram. Mais tarde alguns deles se casaram e outros também saíram para estudar.
Nelson viu uma oportunidade para mudar o rumo da sua vida, pois na época o 2º grau, conhecido hoje como ensino médio, era restrito a cidades grandes e vinculado a alguma comunidade religiosa. Então com a permissão de seus pais, aceitou a oportunidade que a freira lhe tinha apresentado e foi para Taquari, município do Rio Grande do Sul, estudar no seminário dos padres Franciscanos, lá ele concluiu o ensino fundamental e estudou até o 2º ano do ensino médio.
O 3º ano ele concluiu em Frederico Westphalen, também no Rio Grande do Sul, a escola era um centro vocacional vinculado à igreja. Em torno de 1970, Nelson estava se formando no ensino médio, sua turma foi a primeira a se formar na escola.
Após concluir o ensino médio, se inscreveu no vestibular da Universidade Federal de Santa Maria e passou. Em 1973 Nelson entrou na universidade e residiu em Santa Maria durante cinco anos, ao longo desses anos estudou comunicação social – jornalismo e agronomia devido a familiaridade que tinha com o meio de produção agrícola. Após um ano de agronomia o curso de jornalismo lhe chamou atenção, recém tinha iniciado o curso na universidade, mas ele resolveu se desafiar e fez novamente o vestibular. Passou em 6º lugar e ficou admirado em ter conseguido, Nelson fez parte da segunda turma a se formar no curso. Ambos os cursos tinham a duração de quatro anos.
Atualmente, aos 73 anos de idade, o engenheiro agrônomo e jornalista, reside em Campo Erê, está aposentado, casado com Cleusa Reiter e tem quatro filhas que são seu maior orgulho. Nelson continua um estudioso, crítico e um entusiasta, assim como quando chegou no município, com 29 anos.
Como o senhor vivia na época em que entrou na faculdade? Apesar de que nessa época os militares governavam o país, dentro das instituições públicas de ensino havia mais oportunidades que hoje. Eu fui para lá como diversas outras pessoas e a universidade disponibilizava um espaço que se chamava casa de estudante, havia algumas casas no campus e um prédio com 12 andares no centro da cidade de Santa Maria. A gente levava a declaração do imposto de renda e se habilitava junto à pró-reitoria, para receber o ensino e as despesas gratuitas.
Eu recebia o vale alimentação que era incluso o café, almoço e janta, servido no restaurante universitário do campus e junto ao prédio no centro. Tínhamos o transporte gratuito, inicialmente era o ônibus da universidade e depois passou a ser uma empresa particular que fazia, mas a gente recebia a passagem gratuita.
Além disso, existia as bolsas de estudos dentro da instituição, eram diferentes tipos de departamentos que abriam as bolsas e a gente se habilitava para trabalhar ou auxiliar. Na época se fazia muita pesquisa, praticamente todos os professores dentro de suas especialidades faziam algum tipo de pesquisa.
O senhor foi bolsista em que área? Na área de agronomia e depois dentro da área de jornalismo, eu fui monitor em uma disciplina. Para ser monitor era preciso ter média 8 para poder se habilitar dentro da disciplina e quando abriu a oportunidade eu me inscrevi e consegui.
Quando o senhor olha pra trás e lembra da faculdade, tem algum professor que ainda recorda e tem saudade dele? Tem professores que foram especiais, por exemplo, dentro da área de olericultura, a disciplina que trabalha com a produção de hortaliças, eu e mais seis colegas tivemos a oportunidade de desenvolver projetos de pesquisa para apresentar em um congresso nacional de olericultura em Santa Maria.
Eu fiz sobre o cultivar de milho doce, depois a gente analisou todos os resultados, fez todo o processo de interpretação de dados, resultados, estatísticas, para então apresentar o trabalho. Todos os trabalhos foram publicados na revista de olericultura e entre eles está o meu.
Também tem um projeto de pesquisa que eu trabalhei com o professor de olericultura, sobre cebola. Na época as universidades trabalhavam em rede com outras organizações de pesquisas.
O senhor estudava de manhã, tarde ou de noite? Na verdade, a gente tinha atividades quase que demais, às vezes eu penso como eu fazia tudo isso. Quando eu fazia jornalismo, a gente fazia os estágios em emissoras de rádio, eu comecei fazendo estágio na rádio Guarathan, depois outra parte na rádio Imembuí e depois acabei trabalhando um tempo na rádio Guarathan.
Eu levantava às 5h da manhã e ia pra rádio, pra fazer todas as matérias que iam sair no noticiário das 7h e dali eu ia direto pra aula, era bem corrido.
Como se produzia a notícia local naquela época? Como não existia internet na época, normalmente nos eventos que tinham durante a noite e nos finais de semana a gente tinha um gravador, [brinca dizendo que era um gravador bem grande], e durante o evento ia entrevistando as pessoas, dificilmente a gente ia nos eventos que eram nos períodos de aula.
No outro dia fazia a matéria e rodava o áudio da pessoa, a gente fazia alguns cortes e deixava o que interessava e rodava um trecho da entrevista na rádio, era tudo manual.
Lá na Imembuí tinha um processo um pouco diferente, já tinha um departamento só de notícias, então era gravado tudo em uma fita pra depois ir pro rádio.
Quando acontecia um acidente ou algo grave um pouco mais distante e na época não tinha como se comunicar lá do local até a rádio pra fazer direto, a gente gravava e colocava na rádio: ‘Estamos falando direto aqui de tal lugar’, sem estar no lugar, mas era como se a gente estivesse lá e as pessoas acreditavam, mas na verdade não estava, [ri lembrando da dificuldade que era e como faziam].
Na época não existia esse sistema de comunicação que temos hoje, era bem mais precário, mas para a época já era avançado.
A notícia saia no jornal impresso, na rádio e quando muito na tv, o senhor chegou a trabalhar em um jornal impresso? Fiquei um ano fazendo estágio em um jornal impresso, porque era obrigatório. Lá na rádio Imembuí tinha tv, mas a gente só fazia a parte prática da televisão, que era parte da disciplina de televisão com um professor de Porto Alegre.
Nos sábados de tarde a gente ia na emissora e usava aquele espaço pra fazer as gravações de noticiários e documentários. A gente treinava lá dentro daquele espaço, era bem diferente do que é hoje, era tudo manual e a gente mesmo fazia a câmera, apresentação, montava tudo, depois editava pra ficar olhando e ver se estava bom ou não.
Na época todo o pessoal que se formou foi trabalhar na área, teve alguns que foram trabalhar em Brasília e eu que acabei ficando. Na verdade, em torno de 1970 um diretor da rádio de São José do Cedro me fez uma proposta, mas pra mim não era interessante trabalhar nessa área, porque na época faltava muito profissional na área da agronomia. Foi quando eu sai de lá e vim pra cá trabalhar.
Essa foi a época que o senhor veio pra cá? Sim, eu vim em 1977. Quando instalou o Banco do Brasil em Dionísio Cerqueira, eu tinha vindo de férias e fui junto com meu pai lá na agência, quando o gerente do Banco do Brasil de lá me viu disse: ‘Vem trabalhar comigo, preciso de você aqui’. Na época o banco lá abrangia Dionísio, Palma Sola e Salgado Filho, o banco era uma referência na região porque eram poucos os lugares que tinham.
O gerente me fez uma proposta de salário boa e me ofertou um carro, porque eu não tinha, então ele me deu o dinheiro pra comprar um carro lá na agência. Comprei um fusca que na época era um carro de referência.
A sua família, seus pais já estavam aqui nessa região? Antes de eu me formar eles e meus irmãos vieram pra cá, eles moravam em Dionísio Cerqueira, na linha Arara, que faz divisa com Palma Sola.
Por que seu pai veio pra Dionísio? Há muitos anos atrás ele tinha propriedade no Rio Grande do Sul e como tinha muitos filhos, a propriedade era pequena, então ele vendeu lá e comprou duas colônias de terra em Dionísio. Ele fez parte daquela leva de gaúchos de família grande que precisavam se expandir e as terras do Rio Grande estavam ficando escassas, pequenas pra tanta gente.
Imagino que uma pessoa com seu nível de escolaridade, com duas faculdades, era disputado a tapa naquela época! Sim, naquela época não tinha muitos profissionais então eu recebia bastante propostas. Eu podia ter trabalhado no serviço de extensão, que naquela época eles iam buscar em casa, porque eram poucos os cursos de agronomia que tinha na época e era uma época onde estava iniciando o desenvolvimento agrícola.
Eu fiquei um ano trabalhando no Banco do Brasil, lá eu trabalhava mais na questão da fiscalização dos créditos agrícolas, que eram muito grandes na época. A gente ganhava um percentual do banco.
Quando chegou aqui você nem cogitou trabalhar na área de comunicação? A área da agronomia era bem mais interessante economicamente e nunca me envolvi com órgãos de comunicação.
Ganhava bem naquela época? Muito bem, o salário mínimo do profissional agrônomo era 8,5 salários mínimos, mais ajuda de custo e carro financiado pela cooperativa, era comodato, pagava o carro conforme a quilometragem que você fazia.
Em uma época que nós não tínhamos Sicredi, Sicoob e outras cooperativas, quais eram as instituições bancárias daquela época? Não, não tinha nada. O Banco do Brasil era o único que tinha aqui na região.
O banco na época financiava, trilhadeira, pocilga [chiqueiro], casa, tudo. Eles tinham uma linha de crédito muito maior do que se tem hoje e também com um acesso mais fácil.
Como era o único banco da região tinha uma demanda muito grande, então a gente fazia as visitas e os laudos pra ver se a pessoa tinha aplicado ou não aquele recurso. Era isso que a gente levantava de informação, não era aquela coisa técnica.
Na época a Cooper Sabadi, a sede era em Barracão no Paraná e estavam expandindo para Palma Sola e Campo Erê, além de Barracão, já atuavam em Santo Antônio do Sudoeste. Eles me procuraram para ir trabalhar com eles e atender a região como agrônomo.
Eu aceitei ir pra cooperativa porque na época se ganhava muito bem, inicialmente eu fui morar em Palma Sola.
Foi morar aonde em Palma Sola? Na época eu parava no hotel do alemão que tinha perto do posto dos Crestani, tinha dois andares. Ali que nós parávamos com os outros funcionários. A cooperativa estava iniciando no município, então tinha um serviço medonho, aí tinha que visitar os agricultores.
Os primeiros plantios diretos aconteceram nessa época? Sim, em Palma Sola os Link, Crestani, esse povo estava desbravando as áreas para trabalhar com agricultura e principalmente plantio de soja.
Ficou em Palma Sola quanto tempo? Mais ou menos um ano. Depois que eu fiquei uma temporada em Palma Sola, eu vim para Campo Erê, porque eles compraram a Cofral, que era a cooperativa local aqui. Como aqui era maior e tinha um campo maior, eu vim pra cá e daqui eu atendia Palma Sola e Campo Erê.
A gente pegava uma parte de Anchieta também e aqui o trabalho era bem maior e como também era o início, então tinha que desbravar. Na época se recebia feijão aqui de toda a região, era tudo por EGF.
O que é um EGF? Empréstimo do Governo Federal que vinha para as cooperativas pra comprar feijão e era estabelecido um preço mínimo. Então como tinha uma produção muito grande, normalmente o comércio não pagava mais do que o preço mínimo.
As cooperativas acabavam fazendo um empréstimo, compravam o feijão dos comerciantes que tinha em toda região e depois vendiam no particular ou para o governo. De certa forma as cooperativas tinham parceria com o governo e faziam o estoque regulador.
O senhor praticava algum esporte? Não, mas me envolvia, principalmente com o futebol. Eu fui por muito tempo presidente do Bandeirantes, participamos dos campeonatos regionais e fomos campeões municipais. Aqui na cidade tinha uma meia dúzia de clubes de futebol, então a disputa era grande.
Essas competições municipais de hoje, infelizmente não são mais como antes, morreu tudo. Na época era uma coisa tão boa, enchia o campo de futebol, enchia um caminhão pra levar o pessoal pra jogar bola lá em Palma Sola, Saltinho, São Bernardino. A gente tinha os regionais amador, Palma Sola e São Lourenço pertenciam a regional daqui, nós disputamos estadual, amador, que era uma amplitude maior, então a gente jogava em Itapiranga, São João, São Miguel do Oeste, São José do Cedro, Dionísio Cerqueira, São Carlos, ia pôr tudo, era bem melhor do que hoje e os custos eram menores, porque hoje se tornou muito caro.
Onde o senhor conheceu a sua esposa? Conheci aqui em Campo Erê. Quando eu vim pra cá eu comecei a dar aula de noite no CNEC [Campanha Nacional de Escolas da Comunidade], trabalhei em torno de sete anos como professor ali.
Quando eu cheguei a dona Dulce Amaral que era a coordenadora me procurou para dar aula de física, química e biologia no curso do CNEC, porque eram poucas as pessoas que tinham curso superior na cidade e eu acabei aceitando. Então eu trabalhava de dia na cooperativa e de noite vinha dar aula no CNEC, entrava às 19h30 e saia às 22h30, de segunda à sexta.
Nessa mesma época ela dava aula na EEB Raul Pompeia, mas eu não conhecia ela antes, acabei conhecendo em um evento no dia dos professores, feito todo ano.
As escolas se reuniam naquele dia, na época foi no pavilhão antigo da igreja lá em cima, era um pavilhão de madeira que hoje já mudou, e os alunos faziam apresentações, homenagens aos professores. Enchia o pavilhão, o pessoal ia, era muito mais participativo do que hoje. E foi lá que eu conheci ela, através da dona Dulce. Os pais dela até hoje são do ramo hoteleiro.
Gostava de dar aula? Sim, era muito legal. Muitas pessoas que hoje tem aqui, passaram pela sala da gente, na época não tinha outra oportunidade, não tinha universidade aqui perto, quem fazia o segundo grau meu Deus do céu. Então foi muito bom, eu acho que foi bem produtivo, foi um ensinamento grande pra gente também, uma experiência de vida.
A família da sua esposa Cleusa tem um hotel aqui? Eles compraram um hotel onde hoje é o cartório de registro de imóveis, lá no posto, era um hotel de madeira, e na época tinha uma churrascaria junto, que segundo eles, enchia.
Com quantos anos conheceu sua esposa? Conheci ela com 29 anos.
Quando vocês se casaram e quantos filhos vieram desse casamento? A gente se casou em setembro, já me esqueci de que ano de tanto tempo que faz [ri], mas fazem 43 anos [1980].
Tive quatro filhas, todas campoerenses. A mais velha, Aniela, de 42 anos, se formou em medicina, mora e trabalha em São Paulo.
A segunda, Luiziana de 39 anos, se formou em moda e estilismo em Londrina, trabalhou em algumas fábricas aqui no Brasil, inclusive na Renner e Já faz dois anos que ela mora em Dubai e trabalha em uma empresa Indiana de moda voltada para o mundo Árabe.
A terceira, Grazyne, de 38 anos, se formou em Porto Alegre na universidade federal em medicina veterinária. Fez uma parte do mestrado na universidade federal de Florianópolis e a outra parte fez em Vancouver no Canadá. Ela chegou dar aula na universidade federal de Santa Catarina, depois surgiu a oportunidade de fazer o doutorado em Davis na Califórnia e foi pra lá, fez o doutorado e o pós-doutorado também lá.
Ela fez um concurso pra ser professora da universidade da Califórnia e ela passou, faziam cinco anos, até o ano passado, que deu aula na universidade da Califórnia, daí abriu uma vaga pra uma disciplina voltada pra área do bem-estar animal em que ela fez o doutorado, área mais voltada pra área do gado leiteiro, aí ela passou na universidade estadual de Ohio, nos Estados Unidos e hoje ela está dando aula lá.
E a mais nova, Etienne, de 35 anos, se formou também na área de moda e estilismo e trabalha em uma empresa de moda em Belo Horizonte. Então, estão todas elas fora e longe.
Como foi a infância de suas filhas? porque o senhor sempre esteve trabalhando e estudando bastante. Minha mulher também trabalhava, ela na verdade sempre trabalhou no ramo de restaurante, depois da pandemia parou de trabalhar no restaurante, mas continua no ramo do hotel. A gente tinha pessoas que cuidavam da casa e nos ajudavam com as meninas, mas a gente também participava da vida delas.
Elas começaram nas escolas daqui, todas elas foram para o Médici e daqui foram para São Lourenço estudar em uma escola particular. De lá foram para Maringá estudar em uma escola particular lá no Platão e depois saíram fazer os vestibulares e cada um foi pra um canto.
O senhor provavelmente já é avô? Sim, tenho uma netinha, filha da minha mais velha que mora em São Paulo
Seu Nelson, o senhor tem muita saudade delas pequenas ou delas por perto? A com certeza, quem não tem né.
Uma pessoa que estudou bastante, que chegou aqui e foi disputada por diversos setores para que trabalhasse junto com eles e que provavelmente se empenhou muito para que as filhas estudassem e notadamente herdaram esses genes do senhor e da sua esposa pra chegar onde chegaram, mas elas foram embora, está hoje aqui o senhor e sua esposa. Como o senhor encara isso? [Antes de começar a responder deu uma risada desconfortável] na verdade assim, se é difícil? É difícil, se a gente tem saudade dos filhos? Tem. Mas eu penso que assim como eu saí e busquei meu caminho, elas também estão procurando buscar o melhor pra si.
Aqui por exemplo, não tem as oportunidades que elas têm de trabalho, dentro das profissões que elas escolheram e até mesmo a qualidade de vida, salários, essas coisas nós não temos aqui na nossa região.
O senhor está com os amores da sua vida longe, tem uma neta, as outras estão casadas, tem previsão de ter filhos ou não, mas se tiver vai estar longe. O que o senhor julga como importante na vida? Trabalho, oportunidade, qualidade de vida, construir patrimônio? Olha, das quatros eu só tenho duas filhas casadas, a que mora nos Estados Unidos e a de São Paulo, as outras estão solteiras. Não sei se elas têm a ideia de casar ou não, porque gostam de ter uma vida um tanto quanto independente.
Gostam de viajar bastante, conhecer outros lugares, países e culturas, então pra elas, dentro do modo de vida que têm, elas tão considerando bem e não vou ser eu que vou dizer que tá ruim ou não, embora nem sempre eu concorde com todas as coisas.
Mas pra mim o mais importante foi deixar um legado para elas, procurei dar o conhecimento e elas estão cultivando esses conhecimentos que a gente deu o que ajudou bastante a melhorar a qualidade de vida que elas têm.
Qual o legado da vida do senhor? Com relação aos filhos é o que eles são. A gente procurou dar o melhor o que nos custou muito trabalho e sacrifício também, porque quatro meninas estudando, praticamente na mesma faixa etária, embora já faz tempo, mas o custo de vida, alimentação, estadia, mesmo que elas frequentavam cursos públicos, mas a gente que tinha que pagar o apartamento e as despesas para elas morar.
O senhor fala inglês? [Ri para responder] não. Eu entendo praticamente tudo, mas em inglês eu sou muito ruim e também nunca me interessei em aprender, não é por falta de oportunidade, mas nunca tive muito interesse.
O senhor viajou muito já? Já foi lá pra Dubai, Estados Unidos?
Em nível do Brasil e região, a gente viajava muito mais quando elas estavam por perto ou quando vinham de férias, quando ainda estudavam, a gente aproveitou pra conhecer grande parte do Brasil.
Logicamente, na Argentina a gente foi várias vezes, conhecemos a terra do fogo que era um sonho chegar até lá, o Chile e fomos nos países do Mercosul. Eu já viajei pra Europa, Itália, Suiça, França, aquela região toda.
Neste ano nós devemos ir lá pra Dubai para visitar minha filha, ela esteve aqui no fim do ano, mas a gente se comprometeu de ir lá. De lá a gente vai procurar visitar outros países, porque lá é tudo mais próximo, tem o Egito e outros países, ali é bem próximo.
Nos Estado Unidos eu já fui também, inclusive no ano passado, a última vez que eu fui fiquei dois meses lá na casa da minha filha. Apesar que ali na Califórnia a gente conhece desde a divisa do México até o Norte da Califórnia. Na Califórnia eu conheço tudo, passei por Utah em Las Vegas, da lá até a Califórnia é pertinho, já estive lá mais de uma vez.
Conheci todos aqueles parques nacionais dos Estados Unidos, que são muitos, mais da metade das áreas da Califórnia são parques estaduais, federais ou municipais, eles trabalham muito com essa coisa de preservação e conservação.
Fui pra Utah, que é um estado dos mórmons, que é um estado extremamente conservador, praticamente visitei quase tudo lá, também estive em uma parte do Arizona.
Agora eu pretendo ir, não sei se esse ano, talvez mais pro fim do ano, lá pra Union onde tem minha filha. E conhecer a outra parte de lá que fica perto dos grandes lagos.
A última vez que eu fui para os Estados Unidos, me apavorei com a miséria, porque a outra vez que eu tinha ido, anterior ao covid, me parecia que não tinha tanta miséria que nem hoje. Na capital você vê idosos que não conseguem casas porque os aluguéis são caríssimos, estão andando de carrinho com uma meia dúzia de coisinhas dentro, perambulando pelas ruas.
Gente na beira de estradas com lona preta, a gente achava que só aqui que tinha, mas lá também tem. Tem gente que ganha um salário mínimo, trabalham e não conseguem pagar o aluguel, porque é muito caro.
E lá a saúde você tem que pagar, quem trabalha até 20h por semana em uma empresa, a empresa não é obrigada a pagar o seguro para aposentadoria e nem a saúde. Então, o que essas grandes redes fazem, contratam, só 20h por semana, daí tem uma rotação muito grande e as pessoas as vezes pra sobreviver tem que trabalhar em dois, três lugares, então é muito difícil lá.
Não deve ser uma viagem barata! Relativamente cara, tem que explorar e ver os preços melhores, porque lá é um centro turístico muito grande, embora que a gente para no apartamento da filha, então não temos essa despesa, mas tem as outras e sempre tem um custo.
Algumas coisas hoje não custam tão caro pra viajar, se você não tiver como pagar à vista, você consegue parcelar em várias vezes. Lógico, você tem que ter uma renda, tem que disponibilizar um valor depois para amortizar as dívidas, mas facilita um monte de coisa.
Eu sempre viajei fora dos ditos pacotes, eles têm as suas vantagens, mas é fechado. Assim eu vou onde quero, para aonde quero, como o que quero, consigo interagir melhor, fico aberto para conhecer coisas e lugares diferentes, o que for interessante fica dois, três dias em função daquilo e se não for interessante vai pra outra”
O senhor está aposentado já há quantos anos? A uns quatro, cinco anos.
Como o senhor foi parar dentro da prefeitura de Campo Erê? Para se ocupar?
Olha, na época eu trabalhava em Francisco Beltrão no departamento de fiscalização na Secretaria de Agricultura, na prefeitura, e a minha família não quis se mudar para lá.
Dentro do Paraná eu podia me transferir para Curitiba depois, porque sempre abre vagas e até facilitava para os estudos das meninas, mas aí a esposa como estava vinculada aqui e tinha os negócios da família, não queria ir morar lá, aí eu ia, para a semana inteira lá e voltava.
Isso foi em que época? Em 1990. Em 1994 o Darci Furtado chegou lá, ele era o prefeito de Campo Erê na época, e disse: ‘nós precisamos de você’, me fez um monte de propostas e em função da família acabei voltando pra cá. Na época a proposta que ele me fez era equivalente ao que eu tinha lá, só que depois disso lá só subiu e aqui só desceu.
Se o senhor tivesse ficado naquela função lá, o senhor estaria ganhando o que? Eu poderia ter feito carreira dentro da Secretaria de Agricultura do Paraná, porque aí com o tempo de serviço, você vai galgando outras funções e aqui não. Aqui só fui pra trás na verdade, aqui na prefeitura.
Quando o senhor fala ‘eu só fui pra trás’ é no ponto de vista financeiro? Sim, financeiro. Até porque nos municípios pequenos tem muita perseguição política.
O senhor é concursado no município? Era concursado, hoje eu não trabalho mais, mas era concursado. Vim pra cá depois que eu fiz o concurso. Mas você veja bem, aqui nesses municípios pequenos você está à mercê de pessoas as vezes que não tem só uma orelha, tem duas orelhas, então esse é o grande problema.
Porque hoje, se você olhar de modo geral, a gente coloca pessoas para ocupar cargos de liderança que não tem nenhuma qualificação, mas ele foi parceiro político. Como é que os municípios vão pra frente se você não tem o conhecimento, não tem uma clareza, não tem um projeto, não tem nada.
Desde a agricultura familiar, os municípios têm uma responsabilidade grande dentro do seu território, para incentivar, desenvolver atividades e oportunizar.
Seu Nelson, fundamentado nessa crítica que o senhor faz, porque o senhor nunca disputou nada? O senhor não se sente responsável também?
Olha, lá atrás, em 1988 eu até disputei para deputado estadual aqui, disputei contra o Gasparino Willi Raimondi, que se elegeu a deputado. Então foi uma disputa ferrenha, ele com toda a máquina e eu sozinho.
Então você já teve um pezinho lá na política? Sim, mas depois disso eu parei, porque eu vi que existem coisas dentro da política com as quais eu não compactuo, então não adianta. A gente vê que nesses municípios pequenos, que nem aqui, se você não fizer mil e um acordos, você não consegue se eleger, porque como os votos são poucos, uma família decide uma eleição e aí o que acontece com isso? Isso vai impactar lá dentro do seu governo, você fica amarrado, comprometido e acaba fazendo um governo para poucos e não para todos.
Eu acho também que os municípios deveriam pensar de uma forma maior, no processo de desenvolvimento dele. Nós aqui já tivemos tantas oportunidades, uma vez até a gente fez um estudo em torno de 1997 com a Epagri de Chapecó, sobre a questão agrícola, o que a gente poderia melhorar nos nossos índices, riquezas, enfim, daí se fez um projeto e quando chegou no prefeito ele não quis fazer.
A nível de município os prefeitos têm a caneta na mão, então às vezes você tem uma boa proposta, um bom projeto, uma boa oportunidade que se perde em razão da pouca visão do prefeito. Campo Erê quantas oportunidades perdeu, são inúmeras, nós podíamos estar bem melhor do que estamos hoje, mas por essas situações politiqueiras não foi pra frente.
Olha quantos espaços nós temos dentro da cidade que poderiam ser produzidos alimentos para os grupos de pessoas que têm necessidades, plantar nem que fosse uma mandioca, uma batata, poderia produzir até a alimentação de escolas, seria agricultura urbana. Hoje tem programa federal, estadual, mas não se pratica, nós temos inúmeras oportunidades.
O senhor foi concursado na prefeitura, ficou ali por algum tempo e hoje o senhor é ACT? É remunerado pela prefeitura? Não, não. Eu sou aposentado, mas sou o presidente do conselho do turismo, faço um trabalho voluntário.
Não lhe traz uma remuneração, mas o senhor não consegue ficar sem fazer? Não, eu não consigo, até porque tem muitas coisas que se você não se envolver, elas acabam não acontecendo. A gente sabe que existem muitas dificuldades e tem que entender muitas coisas, mas se você parar muitas ações morrem porque a maioria das pessoas não tem o compromisso pra isso, mesmo dentro das instituições públicas são poucos aqueles que se dedicam a aquela causa, na maioria das vezes está ali por uma conveniência, mas não que possa trazer algo dentro da função que ele ocupa ou benefício pra sociedade.
O senhor acha que o senhor morre, se o senhor não encontrar uma ocupação diária? Eu acho que sim, até porque é importante você ter uma ocupação, principalmente pra tua mente.
O senhor chegou a fazer capital, fortuna? Não, nunca me preocupei com isso. Até porque a minha preocupação maior era dar uma condição melhor para as minhas filhas através do conhecimento.
Eu tenho minha casa e mais quatro terrenos aqui na cidade, até na época que eu comprei era um para cada filha, mas foi todo mundo embora [ri], onde eu moro é um mato, aqui na cidade o lugar onde mais tem mato é o meu.
Quais são as grandes felicidades da sua vida senhor Nelson? Minhas filhas.
O que lhe orgulha na vida? Pequenas ações que fizeram de Campo Erê um município melhor, tem muitas coisas que hoje tem aqui que eu ajudei, inclusive o próprio colégio agrícola.
Na época que vieram quatro colégios agrícolas para SC, via ministério da educação eu era o presidente do partido PFL [atualmente é o partido Democratas] e um deles nós conseguimos trazer para Campo Erê.
Nós temos o colégio agrícola ali que na época e ainda hoje continua sendo uma referência. A frustração de lá foi no ano de 2000, quando nós tínhamos conseguido junto com o ministério da educação um projeto para ampliar e modernizar o colégio, de U$ 1 milhão e 200 mil.
A prefeitura na época contratou um engenheiro de Pato Branco, eu passei seis meses junto com ele fazendo projeto, mas o projeto acabou morrendo por falta de interesse.
Inclusive era pra ser implantado um centro de pesquisa de energias alternativas pra agricultura, ter uma emissora de rádio e tv educativa. Ia ser uma referência, hoje poderia ter um curso de veterinário, agronomia.
A vida toda o senhor foi um grande idealizador? Sim. Outra coisa que me frustrou, foi quando trabalhamos muito em cima e conseguimos o projeto, o CVT das Oliveiras (Centro Vocacional Tecnológico das Oliveiras), era o primeiro em SC. A gente fez tudo, foi a Pinhalzinho, inclusive na época o Pansera era o ministro da ciência de tecnologia, era um deputado do Rio, estava junto o deputado Celso Maldaner, conseguimos a liberação do recurso, o prefeito na época, Rudi assinou e depois morreu.
Nós poderíamos ter cursos que nem tem no Rio de Janeiro e outros estados, de outras qualificações profissionais, nós quisemos incorporar até esse CVT em parte, junto com o colégio agrícola, o estado negou.
Esse projeto não era apenas para Campo Erê, iria abranger mais 20 municípios daqui da região, esse era o projeto inicial, depois iria trazer outras coisas atrás disso. Também teve outros projetos que foram criados e depois morreu.
Seu Nelson o senhor se considera mais um estudioso ou um crítico? Olha, um estudioso. Sempre tenho procurado estudar, se informar e buscar novos conhecimentos, mas acho também que a gente tem que ser crítico da realidade, daquilo que a gente vive, do que poderia ser melhor, principalmente no lado humano, porque o pessoal só pensa no lado material.
Acho que nós temos que melhorar nessa questão de humanidade, espiritual, independentemente do tipo de religião que você tenha ou pratique, mas acho que a fé é uma coisa que está se perdendo nas pessoas.
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