A infidelidade sempre existiu, mas sua percepção e consequências evoluíram com o tempo. Se antes os casos extraconjugais eram tratados com discrição, hoje eles podem se transformar em virais, afetando não apenas os envolvidos, mas também suas carreiras e relações sociais. O incidente no show do Coldplay exemplifica isso.
Durante um show da banda Coldplay, nos Estados Unidos, a chamada “kiss cam” – câmera que flagra casais no público – exibiu um homem e uma mulher juntos. O casal ao perceber que estava sendo filmado, se afastou rapidamente, como se estivesse tentando esconder o rosto. A cena viralizou nas redes sociais.
Como a rede social está interligada, rapidamente o casal foi identificado como sendo executivos de uma empresa de tecnologia. Ambos eram comprometidos com outras pessoas e foram suspensos pela companhia, que abriu uma investigação interna.
O caso em questão levanta questões sobre ética profissional, já que envolveu executivos de uma mesma empresa. Relacionamentos extraconjugais no ambiente de trabalho não são incomuns, mas quando há hierarquias envolvidas, como no caso de um CEO e uma subordinada, surgem debates sobre assédio, abuso de poder e conflito de interesses.
Recentemente a Justiça da Paraíba (Processo 0816643-22.2020.8.15.2001) decidiu que um homem deverá pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais à ex-esposa devido a uma traição que causou humilhação pública. A decisão é da 4ª Vara de Família de João Pessoa.
A decisão da Justiça paraibana esclareceu que o incômodo causado pela traição, por si só, não configura dano indenizável. No entanto, a divulgação das fotos atingiu a imagem da ex-esposa e adapta o caso ao artigo 186 do Código Civil.
A traição pública não se trata apenas de um abalo emocional íntimo, mas da violação de direitos fundamentais como a honra, a imagem e a dignidade da pessoa humana.
A responsabilização por danos morais em contextos de traição com humilhação pública é um marco que reforça a proteção da parte vulnerabilizada e sinaliza que as relações afetivas, mesmo em sua ruptura, devem se pautar pela ética, pelo respeito mútuo e pela não violência.
A traição configura uma violação do dever de fidelidade no relacionamento, mas, por se tratar de um dever moral e não jurídico, não gera automaticamente o dever de indenizar. Agora, a exposição, a humilhação e o vexame ultrapassam os limites da moralidade e adentram a esfera jurídica. Nessas situações, uma vez constatado o dano, surge o dever de reparação, que deve ser visto como um avanço positivo na proteção da dignidade da pessoa.
O Supremo Tribunal Federal – STF reconhece a possibilidade de indenização quando a traição ocorre de forma a humilhar ou ridicularizar o cônjuge, ou quando viola direitos da personalidade, como a intimidade e a imagem.
Veja, que no caso do vídeo do show da banda Coldplay, existem imagens circulando mundialmente, com montagens que expõem a esposa ao ridículo, em decorrência da traição tornada pública durante o show e isso, faz nascer o dever de indenizar, uma vez que os direitos à privacidade e à dignidade são garantias constitucionais e, portanto, invioláveis, mesmo quando os fatos se tornam públicos.
Atualmente o Direito das Famílias brasileiro não está preparado suficientemente para lidar com os impactos da superexposição digital nos conflitos familiares, mas vê a decisão da Paraíba como um sinal positivo de avanço.
Talvez esse episódio sirva como um convite para repensarmos como lidamos com as fragilidades humanas. Relacionamentos são complexos, e exigem responsabilidade de ambas as partes. Casamento é igual contrato. Uma cláusula descumprida, pode gerar rescisão, multa, danos morais e quebra de contrato. Casamento é para gente grande.
Enquanto as câmeras do beijo continuarem a girar pelos estádios, é bom lembrar que amor, desejo e erro são parte da condição humana. O desafio é equilibrar a liberdade individual com a responsabilidade afetiva – seja no palco da vida ou sob os holofotes de um show.
Por: Juliane Silvestri Beltrame Especialista em Direito das famílias e escritora.