O fim de um casamento costuma marcar também o encerramento dos deveres conjugais. No entanto, há uma obrigação que, em alguns casos, pode ultrapassar a dissolução do vínculo: o dever de prestar alimentos ao ex-cônjuge.
A pensão alimentícia, em sua essência, tem diversas naturezas jurídicas. Pode surgir do vínculo familiar, de contratos, de testamentos ou até mesmo de indenizações. No contexto do Direito de Família, ela se fundamenta no princípio da solidariedade e na mútua assistência, valores que orientam as relações familiares mesmo quando o amor e a convivência chegam ao fim.
Quem pode pedir alimentos após o divórcio?
O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.694, prevê que “os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social”.
Isso significa que, além dos filhos, também o ex-marido ou a ex-esposa podem, em situações específicas, solicitar pensão alimentícia — desde que comprovem necessidade econômica e que o outro tenha possibilidade de contribuir.
Esse pedido, no entanto, deve ser analisado com cautela. O vínculo entre os cônjuges, diferentemente do parentesco consanguíneo, se encerra com o divórcio. Por isso, o dever alimentar após o término da relação não é automático: depende das circunstâncias e da análise do juiz.
Quando a pensão entre ex-cônjuges é devida?
O pagamento de pensão ao ex-cônjuge costuma ser admitido quando há desequilíbrio econômico evidente decorrente da própria dinâmica do casamento.
É comum, por exemplo, que um dos cônjuges tenha deixado de trabalhar ou se qualificar profissionalmente para se dedicar ao lar e aos filhos. Em situações assim, o Judiciário reconhece que a reintegração imediata ao mercado de trabalho pode ser inviável, e, portanto, concede a pensão para garantir a sobrevivência digna de quem ficou financeiramente vulnerável.
Há ainda hipóteses de doença, idade avançada ou incapacidade laboral, em que a dependência financeira persiste mesmo após o divórcio. Nesses casos, o dever alimentar é visto como uma extensão da solidariedade conjugal, e não como privilégio.
Por quanto tempo o ex-cônjuge pode receber pensão?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que os alimentos pós-divórcio devem ter caráter excepcional e, na maioria dos casos, temporário. A ideia é permitir que a pessoa se reorganize e retome sua autonomia financeira, e não criar uma dependência indefinida.
Somente em situações extremas — como doença grave ou incapacidade permanente — é que os alimentos podem ser vitalícios.
Além disso, se o ex-cônjuge que recebe pensão voltar a se casar ou iniciar uma nova união estável, o direito aos alimentos se extingue automaticamente, conforme o artigo 1.708 do Código Civil.
Um ponto importante é o tempo decorrido entre o divórcio e o pedido de pensão. Quando o ex-cônjuge busca alimentos anos após o fim da relação, o Judiciário tende a entender que não há mais dependência econômica direta. Afinal, o divórcio rompe a solidariedade financeira e presume-se que cada parte reassumiu sua individualidade.
A ausência de regras claras sobre o tema, porém, faz com que as decisões variem conforme a interpretação de cada magistrado. Isso gera insegurança jurídica e decisões contraditórias. Por isso, é fundamental que o tema seja mais debatido e que se estabeleçam critérios objetivos para a análise da pensão pós-divórcio, como tempo de duração do casamento, idade do requerente, capacidade profissional e lapso temporal desde a separação.
Ainda hoje, muitas mulheres — especialmente das gerações anteriores — abriram mão da carreira para se dedicar à casa e aos filhos. Com o fim da relação, enfrentam um mercado de trabalho que valoriza experiência e atualização, e acabam desamparadas financeiramente.
Reconhecer a possibilidade de alimentos pós-divórcio é, portanto, um ato de justiça e proteção social, e não um privilégio. O Direito deve acompanhar a evolução da sociedade e suas novas dinâmicas familiares.
Mais do que uma questão financeira, é uma expressão de humanidade e solidariedade, princípios que devem continuar orientando as relações familiares mesmo quando o amor conjugal chega ao fim.
Por: Juliane Silvestri Beltrame Advogada especialista familiar e escritora.