20/09/2023 às 14h30min - Atualizada em 20/09/2023 às 14h30min

Importação de leite em pó gera queda no preço do leite e preocupa produtores

Em 2022, nessa mesma época do ano, os produtores ganhavam por litro de leite de R$ 3,80 a R$ 4,00, agora o preço está R$ 2,10, uma queda de 45%

Redação
A família Pies família tem atualmente, 36 vacas, a produção de leite gira em torno de 14 mil a 16 mil litros por mês. (Foto: Igor Vissotto)
O Brasil triplicou neste ano as importações de lácteos do Mercosul. Esse aumento da importação de leite em pó vem gerando insegurança nos pequenos, médios e até mesmo nos grandes produtores de leite, já que o preço do produto nacional desabou. Em 2022, nessa mesma época do ano, os produtores ganhavam por litro de leite de R$ 3,80 a R$ 4,00, agora o preço está R$ 2,10, uma queda de cerca de R$ 1,70, percentual que se aproxima de 50%.
A oscilação no preço do leite é algo natural, já aguardada pelos produtores rurais, mas essa queda no preço ocorre geralmente no verão. A época de ganhar dinheiro, como relata o agricultor palmassolense, Vanderlei Pies, é agora. “Nos meses de inverno temos maior produção e os preços melhoram, se agora está assim, como será no verão?”, questiona. “No ano passado, nem no verão o preço esteve tão baixo”, acrescenta Vanderlei.
Em comparação ao ano passado o custo de produção também baixou, houve queda no preço dos insumos, Vanderlei conta que chegou a pagar R$ 3,00 a menos no quilo da ração. “Mesmo assim não tem como trabalhar com um preço a R$ 2,10”.
Hoje Vanderlei e sua família tem 36 vacas, a produção de leite gira em torno de 14 mil a 16 mil litros por mês. Em sua propriedade ele trabalha com o capiaçu, um capim muito volumoso – chega a render três vezes mais volume que o milho – e que tem baixas exigências em relação a aplicação de fungicidas e inseticidas. Com o capiaçu, Vanderlei consegue baixar seus custos de produção. “Pra mim ainda está compensando permanecer na atividade, está sobrando uma margem pequena, mas se baixar mais, vai ser bem difícil. Temos que buscar alternativas para cada vez baixar mais os custos de produção, produzir mais a base de pasto”, explica.
Vizinhos e amigos da família Pies, que não trabalham com pastagens, estão sofrendo ainda mais com a queda brusca no preço do leite. “Nós que somos pequenos produtores já deixamos de ganhar uma boa quantia. Estava fazendo as contas e já deixei de ganhar, nesses últimos quatro meses, quase R$ 40 mil. É um dinheiro que está fazendo falta”, afirma.
Vanderlei relata que quem permanece na atividade leiteira está deixando de investir. Ele, que adquiriu uma ensiladeira no valor de R$ 87 mil no ano passado, previa pagar a parcela mensal do financiamento com a venda de até quatro mil litros de leite, no entanto, está precisando vender o dobro de leite ao mês para cobrir a parcela. A maioria dos produtores que investiram durante a alta do leite estão passando pela mesma situação, quem não adquiriu maquinário ou não investiu em melhorias na propriedade no ano passado não vai investir agora, a não ser que seja de extrema necessidade.
“Já grandes e pequenos produtores, falando em abandonar a atividade. Essas pessoas que dependem de funcionários têm custos de produção ainda mais altos. Nós ainda conseguimos sobreviver, batalhar, pois somos nós que fazemos o trabalho do dia a dia. Nosso foco é juntar dinheiro para pagar as dívidas e manter o que temos. Eu andei reduzindo a quantidade de animais. Vou tentar produzir a base de pasto, vou plantar mais capiaçu e tentar baixar os custos ainda mais”, enfatiza o produtor.
 
Porque vem tanto leite de fora?
Conforme a Aurora Coop, o preço do leite no mercado mundial caiu e o real teve uma relativa valorização frente ao dólar. A associação desses dois fatores estimulou as importações.
Os produtores da região especulam que os grandes atacadistas brasileiros compram o leite desidratado, leite em pó, transformam esse leite, (hidratam, colocando água) colocam na caixinha e distribuem. Esse leite importado é vendido como se fosse brasileiro.
“Será que está faltando leite pra vir tanto leite de fora? O que nos deixa indignados é que no Brasil é uma burocracia muito grande para produzir, tem que estar dentro de todas as normas sanitárias e de qualidade, vai saber se esse leite que vem de fora cumpre todas essas exigências. Qual a qualidade desse produto de fora?”, questiona Vanderlei.
Vanderlei não é o único com essas dúvidas, essa é uma preocupação geral dos produtores de leite, dos gestores municipais, autoridades estaduais e federais.
 
Secretário de Agricultura de Palma Sola
“Estive junto com produtores de leite do município, em uma audiência pública em São Miguel do Oeste, para tratar desse assunto. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul representam cerca de 40% da produção nacional de leite e são os produtores da região sul que mais estão sofrendo. Sempre veio leite de fora, desde o acordo do Mercosul entra leite da Argentina e Uruguai aqui no Brasil. O problema é que, até o mês de agosto de 2023, entrou a mesma quantia de leite que o ano inteiro de 2022”, relata o secretário de agricultura de Palma Sola, Claudinei Schein.
Além de gestores municipais e agricultores de toda região Oeste, participaram da audiência pública os deputados estaduais, o ex-secretário de agricultura Altair Silva, entre outros. “O que discutimos nessa audiência, é que não podemos ser um caminho livre para o leite de fora. Acreditamos que o governo precisa dificultar essa entrada. A gente vê tantas coisas, os produtores brasileiros sendo barrados por questões ambientais, sanitária e de qualidade do leite, precisamos ao menos cobrar os entes estaduais e federais, para que tenhamos nesse leite importado, os mesmos padrões de qualidade do leite brasileiro”, destaca o secretário.
Conforme Schein, outro ponto levantado na audiência pública é que na rotulagem das caixinhas de leite, esteja especificado se é ou não um produto nacional. “É o mínimo, para que o consumidor saiba o que está comprando e consumindo”, acrescenta. As discussões levantadas durante a audiência pública foram levadas aos gestores estaduais, agora espera-se que medidas sejam tomadas, antes que mais produtores abandonem a atividade.
Outro apontamento do secretário é sobre o alto volume de produção de leite dos países do Mercosul, citando a Argentina, Schein diz que de um ano para o outro a produção não pode crescer tanto. “A desconfiança de quem entende um pouco do negócio é que a Argentina está servindo de ponte entre o leite dos Estados Unidos da América, por exemplo, e o Brasil”, conta. Tanto nos Estados Unidos, na Nova Zelândia e nos países vizinhos do Brasil, os produtores de leite recebem subsídio do governo para se manterem na atividade, isso explicaria o baixo preço do leite importado. Com o subsídio o produtor vende o leite muito barato, esse leite barato cai no mercado mundial.
“A gente precisa de políticas públicas que barrem a exportação, ou que seja igual aos Estado Unidos, onde o governo da subsidio ao produtor, para que ao menos os nossos produtores permaneçam na atividade”, finaliza Schein.
 
Deputada Daniela Reinehr
A nível federal, a deputada Daniela Reinehr (PL) protocolou, o projeto de lei nº 4309/2023, para proibir a reconstituição de leite em pó importado por pessoa jurídica, para venda como leite fluído no território nacional. A parlamentar protocolou, também, indicação ao Ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, para que o Governo Federal adote medidas para minimizar os impactos causados pela importação desenfreada aos produtores leiteiros nacionais.
Vale pontuar aqui que se os produtores brasileiros deixarem a atividade teremos menos leite no mercado. Conforme a lei da oferta e procura, com menos leite, é natural que o preço suba e o consumidor vai acabar pagando mais caro. “O que nós, produtores, comentamos é que o preço do leite não precisa chegar a R$ 4,00, ficando a R$ 3,00, até R$ 2,80 o ano todo, seria justo para quem está produzindo e para que esta comprando no mercado”, finaliza o produtor Vanderlei Pies.


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