29/08/2024 às 10h00min - Atualizada em 31/08/2024 às 10h00min

A história que nenhuma mãe quer ouvir.

Coluna de opinião do jornal impresso

Juliane Silvestri Beltrame
A perigosa tendência dos jogos de azar online, conhecida como “jogo do tigre,” fez duas vítimas em menos de um mês no estado do Maranhão.
Rafael Mendes, de 17 anos, é a mais recente. Ele recorreu ao suicídio, na cidade de Formosa da Serra Negra, após perder uma herança de R$ 50 mil. Influenciado por intensas publicidades do jogo nas redes sociais, ele apostou todo o seu dinheiro e acabou perdendo tudo.
Esses jogos criam a ilusão de enriquecimento fácil e rápido, incentivando jovens a arriscarem grandes quantias de dinheiro. Recentemente o Fantástico revelou uma rede criminosa de influenciadores do Jogo do Tigre, no Paraná, sendo que uma das vítimas disse que perdeu todo o salário do mês em menos de 15 minutos.
Segundo o Datafolha, 30% dos jovens de 16 a 24 anos e 25% das pessoas entre 25 e 34 anos relataram já ter feito alguma aposta pela Internet, seja poker. Outro dado alarmante é que 15% de toda a população diz ter apostado pelo menos uma vez. A média de gastos do brasileiro com esse tipo de atividade corresponde a 20% do salário mínimo.
 A participação de crianças e adolescentes em jogos de apostas online pode ser extremamente prejudicial. A prática apresenta vários perigos, entre eles vício, problemas financeiros, impacto no desempenho escolar, estímulo a comportamento criminoso, riscos à saúde mental e exposição a conteúdo inadequado.
O jogo patológico está listado como um "comportamento fora do normal e falha no controle de impulsos" no ICD-10 e definido no glossário internacional de doenças como: "Este comportamento fora do normal consiste de jogo frequente e repetido, que controla a vida do paciente e leva a uma disfunção e afastamento social, ocupacional e de valores da família e dos seus compromissos."
O desenvolvimento do vício do jogo é um processo complexo influenciado por diversos fatores. Os mais importantes são os que se seguem: uma desordem narcísica, problemas nos relacionamentos, falta de sentimento pelas pessoas e pelo convívio social, sentimento de vazio interior, como um nada, medo de crescer, vitimização.
Os ganhos iniciais fortalecem o ego e parecem confirmar a ideia de que são realmente especiais, costuma acontecer após uma "big win", um lucro rápido e aparentemente fácil que inicia o descambar da mente para um mundo de fantasia. Esses indivíduos aparentemente sofreram traumas muito grandes na infância como: separação de pais, abusos infantis, perdas de entes queridos.
A incapacidade de regular a excitação interna e nervosismo resultam na peculiar inquietude de um viciado em jogo. A motivação de jogar no início tem como motivo o sucesso e lucros, a redução do tédio e a gestão de sentimentos negativos como exemplo: uma separação, descanso ao final de um dia de trabalho, stress profissional. Estes indivíduos acabam por cair num ciclo vicioso, acabando por prejudicar todas as áreas da sua vida.
Estes jogadores entram num estado de prazer e excitação enquanto jogam e tentam arranjar explicações para o seu jogo descontrolado. Comportamentos supersticiosos e raciocínios "mágicos" podem ocorrer. Progressivamente entram num mundo de fantasia marcados pela busca de poder e de lucros. Eles alienam-se do seu ambiente privado e tornam-se solitários. Começam a surgir padrões de pensamento distorcidos. O jogo torna-se a principal atividade das suas vidas. Este desenvolvimento leva ao declínio físico, mental e social.
A evolução desta patologia demonstra, por exemplo, que as pessoas acabam por tentar compensar as suas perdas, aumentando os seus buy-ins, perseguindo o dinheiro perdido. No poker, este fenómeno é conhecido como entrar em tilt.
Existe uma explicação neurológica. O sistema de recompensa do cérebro é sobrecarregado o que leva a uma contrarregulação do mesmo. De maneira a contrariar esta agitação anormal e danosa, o cérebro cria uma resistência a estes estímulos. Inicia-se uma adaptação neurológica. Com o objetivo de satisfazer a sua necessidade, os buy-ins e o volume de jogo têm de ser aumentados. Além disso, o expoente máximo desta patologia acaba por ser o showdown.
Finalmente, estes jogadores podem arruinar a sua vida financeira, perder as suas famílias e os seus trabalhos. Os psiquiatras defendem que estes acabam por ser os motivos imediatos de muitas tentativas de suicídio destes jogadores. Outros jogadores poderão mesmo tornar-se criminosos. As consequências do jogo continuado e ininterrupto pode também ter consequências físicas como úlceras nervosas, enxaquecas e ataques cardíacos.
A voz da resistência interna sempre irá arrumar aliados exteriores. Na realidade ela joga para ganhar, ela não quer que você reaja. Tudo que é agradável a curto prazo é ferramenta da resistência: sexo, drogas, comida em excesso, álcool, jogos, vícios. Tudo por medo de encontrar a si próprio.
A Mãe de Rafael Mendes já tinha ouvido essas histórias. O filho bem-criado, um menino de berço, mimado, querido por todos, que faz amizades erradas, passa a mentir, a manipular e a vender todas as coisas em casa pra sustentar o vício, um vício que ele não aprendeu em casa, mas trouxe pra casa como um vírus silencioso, que de repente está engolindo e matando e destruindo tudo ao redor. Ela conhecia essas histórias, mas eram sempre histórias de outras mães e outros filhos. Agora era o filho dela.
 
Por: Juliane Silvestri Beltrame Especialista em Direito das Famílias.
 
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