Os dias de isolamento social oferecem desafios diversos para a população, mas as mães atípicas – termo usado para aquelas que vivenciam a maternidade ao lado de filhos deficientes, neurodiversos ou com doenças raras – enfrentam uma rotina especialmente sobrecarregada. Foi pensando nisso, que o jornal Sentinela conversou com a família do palmassolense Cláudio Brandão, de 37 anos; que desde o primeiro ano de vida enfrenta uma malformação específica.
Além disso, no último mês, comemorou-se o “Agosto Laranja”, mês de conscientização sobre Esclerose Múltipla, e ainda, entre os dias 21 a 28, acompanhamos a semana Nacional da Pessoa com Deficiência; momento em que as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) fortaleceram a sensibilização da sociedade quanto ao desenvolvimento de conteúdos e de políticas públicas para promover a inclusão social das pessoas com deficiência.
“Nossa maior dificuldade foi aceitar”
A família relatou inúmeras dificuldades referente a história de Cláudio, mas a que mudou a fisionomia da mãe, Nelci, foi relembrar o momento de aceitação. Além dele, concebeu outros quatro filhos, que cuidou praticamente sozinha, pois o esposo veio a falecer logo após o nascimento do filho mais novo. Para ela, aceitar que um filho não irá mais andar, é uma dor cruel, que nenhuma mãe deveria passar. “O Cláudio nasceu como uma criança normal e saudável, que andou aos nove meses. Mas, com um ano e dois meses, foi diagnosticado com meningite. Assim que levado ao hospital, ficou 54 dias internado, desses, 46 na UTI. Depois disso, voltou para casa totalmente deficiente”, relembra.
Segundo ela, nos primeiros meses em casa, o filho precisou de uma sonda para se alimentar. “Ele não engolia nada, mas foi recuperando aos poucos. Hoje ele não fala, não anda e precisa de ajuda para tudo. Ficou totalmente dependente”, esclarece. Assim que chegaram em Palma Sola, há cerca de 30 anos, residiram na Linha Betel e dali, Cláudio começou a participar da Apae. “A Apae fez muita diferença na vida do meu filho, pois ali ele recebe toda a atenção e cuidado que precisa, desde acompanhamento com fisioterapia a cuidados específicos”, explica.
“Tínhamos esperança que ele andaria”
“No fundo, eu não aceitava aquilo. Ele andou normalmente e só depois do primeiro ano começou a ficar doente. Era inacreditável que tudo aquilo estava acontecendo. Pros médicos, seria aquilo para o resto da vida. Isso foi o que mais nos fez sofrer: pensar que ele melhoraria e ver que não. Mas hoje, graças a Deus, está tudo bem. Eu sempre digo que meu filho é uma criança normal, porque por mais que ele já esteja numa idade avançada, pensa e age como uma”, destaca Nelci acrescentando que precisa de ajuda para cuidar do filho e que um amigo da família mora junto dos dois. “Os cuidados com ele são básicos: precisa trocar fralda, alimentar, dar banho... de tudo”, acrescenta.
Preconceito
“Hoje em dia, o preconceito não é tanto. Eu lembro que no começo tinham pessoas que me perguntavam como estava ‘meu aleijadinho’. Aquilo me feria demais e eu ficava pensando se aquelas pessoas não se tocavam que machucava. Até que um dia eu decidi responder, mas não sabia nem o que; disse que não tinha nenhum filho aleijado e que todos eram saudáveis e perfeitos”, complementa.
“Uma vez, recebi a visita de uma amiga e da filha dela, que estava grávida; ela ainda não conhecia o Cláudio e ficou olhando para ele, até que a mãe disse baixinho: ‘não olhe, não vê que está gravida e teu filho vai nascer assim’. Penso que, se não tiver palavras para ajudar uma mãe que tem um filho assim, fique quieta e não machuque. Ninguém escolhe ser assim e eles não tem culpa, a doença vem para cada um. Não é que ele é difícil de cuidar, mas depende toda hora de companhia. A gente deixa de viver, de passear, de conhecer novas coisas, porque levar é difícil e deixar não pode. Você vive pra ele. Mas eu tenho prazer de viver assim.
Benefícios
Fazem menos de cinco anos que Cláudio está recebendo o Benefício de Prestação Continuada (BPC), da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência. “Depois de 30 anos, ele começou a receber esse benefício. Antes os gastos eram custeados pela família, junto da minha aposentadoria e de um salário pela morte do meu esposo. Penso que se é para faltar alguma coisa, que seja para mim, pois ele é a prioridade da casa”, acrescenta enfatizando que há poucos dias a família investiu numa banheira de hidromassagem, para melhorar na condição do banho e na fisioterapia.
Isolamento
O fechamento das escolas, por conta da pandemia, têm afetado no estudo de milhões de estudantes, que deixaram de ser beneficiados como antes. A exemplo: os que possuíam acompanhamento presencial de profissionais. Para Nelci, a falta da instituição apaeana no dia a dia do filho se agrava diariamente. Desde o início do isolamento, Cláudio não tem recebido o acompanhamento necessário. “O Cláudio é bastante alegre, mas vejo que agora ele fica mais quieto. Antes ele passava o dia todo na escola e a noite ficava em casa. Hoje, a Apae nos manda vídeos dos exercícios e acompanha na forma online, mas a diferença era vista na forma presencial. Percebo que ele está atrofiando, por conta de não fazer fisioterapia com os profissionais”, enfatiza.
Nelci finaliza que a instituição fez muita diferença na vida do filho, e que no momento, ele fica apenas em casa assistindo TV. “Hoje fico 24 horas em função dele. Para mim é sobrecarregado, mas vejo que para ele também, pois sente falta das atividades diárias. Torço para que pelo menos seja disponibilizado o atendimento presencial dos profissionais, pois faz muita, mas muita falta. Eu faço de tudo por ele, mas não tenho como alongá-lo. Ainda bem que temos outras pessoas por perto”, esclarece.