16/03/2023 às 14h35min - Atualizada em 16/03/2023 às 14h35min

A invisibilidade da violência doméstica através do Incesto.

Coluna de opinião do jornal impresso

Juliane Silvestri Beltrame
 
É assunto pesado e velado eu sei, mas acontece que precisa ser falado.  Começando com a origem etimológica inicial, in - que indica um não de negação, e cestus é uma deformação de castus, que significa casto e puro, assim, incestus tem a definição de não casto, que quer dizer “sacrilégio”.
O incesto é um tabu como já sabemos, mas em síntese é a relação carnal entre parentes, sendo algo indigno e imoral e a maioria dos países proíbe essas relações. Por mais grotesco que possa parecer, ainda não existe unanimidade em relação ao repúdio à prática do incesto, porque existe de forma velada e silenciosa essa barbárie acontecendo em alguns lares.
O incesto cometido com menores é uma violência doméstica em que duas polaridades estão presentes, o afeto e a violência. O incesto é uma devastação da família que muitas vezes tem outorga indireta de algum membro da família.
O incesto entre adultos não é considerado crime no Brasil, mas é considerado uma forma de abuso sexual infantil quando ocorre entre um adulto e um menor, podendo ocorrer entre pai e filha, irmão mais velho com irmão mais novo, entre tios e sobrinhos, sendo que a descoberta geralmente ocorre, após algum tempo com o atendimento médico, onde se avaliam as consequências graves, como ferimentos e mutilações.
Geralmente quando é descoberto, existem pessoas dispostas em apoiar, velar, esconder, omitir, proteger o abusador das consequências legais e parentais.
A sociedade, a família, os responsáveis/tutores, a escola, os professores, amigos precisam estar de olho nas crianças que geralmente dão sinais de alerta, como: mudanças extremas de comportamento, medos, agressividade, gravidez precoce, baixo desempenho escolar, depressão e isolamento sem causa aparente, além de temor por certa pessoa ou medo de ser deixada sozinha, entre outras.
Um ponto muito importante é acreditar na criança, porque muitas das vezes quem pratica o abuso é aparentemente agradável, educado, com bom relacionamento interpessoal.
Importante salientar que a legislação brasileira não tipifica o incesto, sendo apenas circunstâncias agravantes no momento da aplicação da pena ao abusador. Já os frutos advindos do incesto possuem direitos específicos e presentes no ordenamento jurídico brasileiro com leis reguladoras que determinaram a não-discriminação dos filhos incestuosos e seus direitos ao registro civil de nascimento e a herança, tendo como base legal, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Registros Públicos n° 6.015/73, a Lei nº 8.560/92 e o Código Civil de 2002.
Atualmente diante de um olhar mais humano no processo judicial e nas práticas restaurativas temos o direito sistêmico que é bastante útil, na compreensão do processo incestuoso, dos abusos e da própria violência doméstica, porque ele nos revela as lealdades familiares, o amor cego, e outras dinâmicas que influenciam o núcleo familiar condenando todo um emaranhado familiar que muitas vezes pode ser detectado através de uma análise mais profunda.
É fundamental a observação de que a vítima e o agressor nos crimes sexuais intrafamiliares são ligados sistemicamente uns aos outros, ou seja, são parte de um mesmo sistema familiar.
Hellinger, no livro a Simetria Oculta do Amor, orienta que em alguns casos, admite a necessidade de ir até a justiça para tentar solucionar o conflito, mas de acordo com o autor, o sofrimento das crianças se agrava quando têm de testemunhar contra os pais, nos casos de incesto.
O fato de adotar medidas restaurativas durante a ação penal integrando a vítima e o ofensor, e, por conseguinte na execução da pena nos crimes sexuais, não basta para solucionar afundo as causas originais do conflito familiar.
É necessário, portanto, que se olhe para a situação de forma ampla e por intermédio da visão sistêmica, porque o cumprimento ou não da pena, não desfaz os laços familiares, deixando ainda ativo as leis do sistema familiar, A assim, estaremos proporcionando um olhar amplo pra que todo sistema familiar seja restaurado e que as novas gerações não precisem repetir os mesmos obstáculos para pertencer ao sistema familiar.
 
Por: Juliane Silvestri Beltrame Especialista em Direitos das Famílias.

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