13/09/2023 às 14h00min - Atualizada em 13/09/2023 às 14h00min

POLIAMOR, POLIGAMIA E A DECISÃO DO TJRS

Juliane Silvestre Beltrame
No dia 28 de agosto de 2023 acompanhamos a mais recente decisão dentro da seara familiar advinda da 2ª Vara da família da Comarca de Novo Hamburgo-RS, onde reconheceu a união estável entre trisal, trazendo uma calorosa discussão social. Essa decisão é uma marca dentro do direito das famílias e enfrentará muitas vertentes e com toda certeza irá acionar o legislador para regulamentar a legislação atual.
O relacionamento entre Letícia, Denis e Keterlin é um exemplo de uma relação não tradicional chamada poliafetividade ou poliamor, pois existe afetividade, reciprocidade, igualdade, consentimento mútuo, e intuito de formar família, onde o que garantiu a segurança jurídica entre eles foi a afetividade, pois nossa Carta Magna é clara ao estabelecer a monogamia de origem cristã, apesar do Brasil ser um Estado laico.
Um exemplo conhecido de poliamor é a Maria Marlene Silva Saboia, cearense, nascida em Jaguaribe Mirim, tem 54 anos e viveu durante 17 anos sob o mesmo teto com três maridos no interior do Ceará. Marlene inspirou o filme Eu Tu Eles, dirigido por Andrucha Waddington.  Maria é uma mulher forte e determinada, mas polêmica, pois enfrentou o machismo no Nordeste tendo relações multissubjetivas. Essas relações multissubjetivas entre Maria Marlene e seus três maridos é um exemplo de poliamor, onde a relação de família se mostra muito mais complexa e dinâmica do que apenas considerar o sexo e a quantidade de pessoas envolvidas.
Já a poligamia é proibida no Brasil, sendo a situação onde uma pessoa casa com várias ao mesmo tempo, sendo crime tipificado no art. 235 do Código Penal.
Nesse momento surge a dúvida, será que uma relação de poliamor pode receber tutela do Estado para ser concebida como uma unidade familiar? Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve uma abertura do significado do termo família, o legislador constituinte passou a denominar família não só a de origem matrimonial, biológica, mas também a da união estável e a constituída por um apenas dos pais e seus descendentes e por vínculos afetivos, como é o caso da união homoafetiva.
De acordo com nossa constituição a afetividade é o grande elemento propulsor das relações familiares, a sólida base sobre a qual se edifica a dinâmica dos relacionamentos no seio da família. Esses novos arranjos familiares baseados em laços afetivos são tutelados pelo Estado sob o enfoque do chamado princípio da liberdade, busca da felicidade individual e a igualdade de direitos.
Maria Berenice Dias no seu Manual de Direito das Famílias, escreve que o concubinato é alvo de repúdio social, mas que nem assim essas uniões deixaram de existir. Passaram agora a serem chamadas de poliamor, são relações de afeto e, apesar de serem consideradas uniões adulterinas, geram efeitos jurídicos. A doutrinadora afirma que se estiverem presentes os requisitos legais, é mister que a justiça reconheça que tais vínculos afetivos configuram união estável, sob pena de dar uma resposta que afronte a ética, chancelando o enriquecimento injustificado.
A jurisprudência amplamente majoritária nega a existência desses relacionamentos, não os identificando como união estável. No máximo é invocado o direito societário com o reconhecimento de uma sociedade de fato, partilhando-se os bens adquiridos na sua constância, mediante indispensável prova de participação efetiva para a aquisição patrimonial.
A Ministra do STJ, Nancy Andrighi, escreve que nossa sociedade apresenta como elemento estrutural a monogamia, logo não pode atenuar o princípio de fidelidade. Segunda ela ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve, o juiz, ficar atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade.
Apesar de que não cabe à sociedade se ajustar ao direito de família, mas sim ao direito de família acolher e amparar as múltiplas facetas das relações humanas, é imperioso ressaltar a necessidade que temos de traçar um caminho para o futuro. Assim, como o poliamor tem como filosofia que amar uma única pessoa pelo resto da vida é inconcebível, precisamos entender se esse chamado ‘amor” é verdadeiro ou sensual, promíscuo, egocêntrico e doentio.
Se se relacionar-se com uma pessoa já remonta muito esforço, compreensão, empatia, renúncia, proposito, quiçá equilibrar mais uma opinião dentro do relacionamento. Não podemos deixar de salientar que muitos países africanos, asiáticos, que adotam a poligamia, a mulher é subjugada, vulnerável, ficando a margem da sociedade.
No primitivismo o ser humano buscava o apelo sensual para a formação familiar, mas nesse local não existia a verdadeira afeição do amor entre os cônjuges, portanto, compreender qual é a intenção por detrás de um relacionamento multissubjetivo seria um ponto a ser observado antes de cristalizar a ideia.
Este é um capítulo importante para o Direito de Família, que busca, acima de tudo, compreender e proteger as diferentes formas de amor e união. É necessário e urgente criar leis para regularizar os relacionamentos poliafetivos para que não existam lacunas e injustiças. À medida que avançamos, o direito das famílias vem protegendo as pessoas em suas relações, bem como, o direito das sucessões precisa ser observado, para que não ocorram litígios após a morte de um dos participantes do poliamor.
Corremos o risco de virar moda, ter amante pedindo pensão, mulheres digladiando na previdência, filhos perdidos dentro de relações vazias. Apesar de compreender que o amor move o mundo, aceitar a poligamia seria um atentado contra a família tradicional brasileira e o retrocesso ao mundo tribal das relações, onde o lado sensual prevalecia.
O ser humano precisa ampliar a consciência, administrar suas emoções, encaminhar suas paixões de forma ética e disciplinada. Unir-se em monogamia lapidando as emoções, assumindo os desafios diários conjugais, é uma forma saudável de aparar as arestas e adestrar com domínio os instintos sexuais, valorizando sempre o amor natural.
 
Juliane Silvestre Beltrame, Especialista em Direito das Famílias e escritora.


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