Zito Lunardi trabalha no ramo leiteiro há mais de 30 anos, atualmente tem um plantel com 1400 animais e mais de 650 deles em lactação. (Foto: Igor Vissotto) “Produzir leite é uma atividade prazerosa para nós. Hoje temos pessoas empregadas aqui, consequentemente somos responsáveis por inúmeras famílias e contribuímos com o movimento do comércio local, mas não sou instituição de caridade, se não der lucro, eu paro”, a afirmação é de Zito Lunardi, de Campo Erê. Zito é proprietário da agropecuária ZF Lunardi e um dos maiores produtores de leite do Oeste de Santa Catarina. Ele, que trabalha no ramo leiteiro há mais de 30 anos, tem um plantel com cerca de 1.400 animais, com aproximadamente 650 em lactação. Zito é mais um dos milhares de produtores de leite que sofrem com a baixa no preço do leite.
A baixa no preço do leite é consequência direta do aumento da importação de leite em pó dos países do Mercosul. Conforme explica Zito, no ano passado, o Brasil importou cerca de 3% de todo o leite produzido no país, este ano já foi importado 12% – são 400% a mais do que no ano passado.
Especula-se que esse leite em pó está sendo reidratado e vendido como se fosse leite brasileiro. Todos os setores passam por crises a pecuária leiteira já passou por situações críticas, mas o que preocupa os produtores rurais é que alterar o preço do leite nacional não depende deles, o problema é justamente o grande volume de leite em pó entrando no país.
“Esse leite entra a um preço baixo em função de vir do Uruguai e da Argentina, mas acredita-se que haja uma triangulação: o leite vem da Nova Zelândia, entra pelo Uruguai ou Argentina e vem pra cá, beneficiado pelo Mercosul, já que não sofrem com a taxação de impostos.
Foi multiplicado por quatro o volume de leite que os países do Mercosul exportam, como isso aconteceu de uma hora para outra? A Nova Zelândia é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de leite, eles têm um custo mais baixo de produção, subsídios, então esse produto, que tem uma qualidade duvidosa, entra pelo Uruguai e pela Argentina com um preço baixíssimo”, esclarece Zito.
Pode um leite que vem de fora baixar tanto o preço do nosso leite? O preço do leite é regulado pelo valor mais baixo, como o leite em pó, no mercado mundial está com preço baixo é viável os países do Mercosul importarem e mandarem esse leite ao Brasil. Quando esse leite chega aqui aumenta a oferta e consequentemente abaixa o preço do leite nacional.
Hoje 88% do leite que consumimos no Brasil é produzido aqui, os 12% importados conseguem sim puxar o preço para baixo, já que a referência do preço do leite é o valor mais baixo. Em relação a outros países, o leite produzido no Brasil é caro ou barato? Atualmente, o preço do leite no Brasil – aquilo que o produtor recebe –
é um bastante alto, um dos maiores a nível mundial, isso ocorre porque os produtores brasileiros têm uma série de custos, incluído o popular ‘Custo Brasil’. [Essa é a expressão usada para se referir a um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que atrapalham o crescimento do país, influenciam negativamente o ambiente de negócios, encarecem os preços dos produtos nacionais e custos de logística, comprometem investimentos e contribuem para uma excessiva carga tributária].
Por várias vezes o preço do nosso leite é mais alto que na Alemanha e nos Estados Unidos. Isso ocorre porque temos uma série de custos e que encarecem o produto, a exemplo dos impostos trabalhistas, imposto financeiro – nossos juros são um dos maiores do mundo –, o custo de infraestrutura, para o caminhão buscar o leite na propriedade as estradas são de péssima qualidade, muitas vezes o caminhoneiro não consegue chegar na propriedade porque não há estrada, incluído nisso temos o custo do óleo diesel, que é caro. O custo da indústria, uma embalagem de leite UHT, por exemplo, está R$ 1.
Em função disso acho bem difícil conseguirmos exportar leite, já que o preço é muito alto, comparado aos preços da Nova Zelândia. No Brasil dificilmente temos políticas de longo prazo, são sempre remendos.
O governo federal não está fazendo absolutamente nada nessa situação. ‘Há, mas o governo taxou um pouco a entrada de alguns produtos’. Sim, taxou produtos o queijo camembert, roquefort, brie, a maior parte da população não consome esses produtos.
Vão taxar o leite em pó? Não. Isso porque existe uma política do atual governo brasileiro ajudar a Argentina, é uma questão política!
Quais as consequências dessa política de importação? A maior consequência disso é que dia a dia produtores de leite estão saindo da atividade.
O pequeno produtor, da agricultura familiar, consegue fazer para subsistência. O médio está saindo do mercado e o grande produtor, que produz em escala, se profissionalizou, trouxe gente para trabalhar, tem alto volume de leite, esses estão se mantendo no mercado. O maior problema é certamente para o médio produtor, que muitas vezes precisa de uma mão de obra extra, então os custos sobem. Ele não produz em escala para ter grande volume e não é pequeno o suficiente para ter baixos custos de produção. Começa a inviabilizar o negócio, então grande número de pessoas começa a deixar a atividade. Nesses casos a pessoa vai para a cidade, que tem que absorver essas pessoas e para isso precisa de mais infraestrutura.
Quem sai não volta mais. Quando você começa na atividade leiteira do zero, são no mínimo três anos para dar retorno. Quando alguém para, os animais vão normalmente para o abate, reduzindo o rebanho. Vai chegar um momento em que o Brasil não será autossuficiente em leite, será uma questão de segurança alimentar no país. Você pode viver sem leite? Sim, mas ele é um alimento rico, de tradição. Hoje 99% dos municípios brasileiros têm produtores de leite, são pequenos, médios e grandes. As pessoas só não saem mais da atividade leiteira porque com o gado de corte também está ruim. As pessoas estão saindo da atividade, saindo do interior, dando menos giro no comércio, já que é menos gente comprando ração, medicamentos e ferramentas.
Se o produtor está perdendo, quem ganha, a indústria ou o mercado? A indústria está estrangulada neste momento, está com estoque, dificuldade de vendas. Imagine, a indústria pegar o leite a um preço médio de R$ 2, ela tem R$ 1 de custo de embalagem, mais o custo de trabalhar esse leite, mais logística. O que sobra é pouco, uma margem de 3% ou 4%.
A margem líquida sobra para o mercado, se ele quer comprar a R$ 3 e vender a R$ 3 ele faz. Se quiser comprar a R$ 3 e vender a R$ 5 ele faz. O cara do mercado quer leite barato para chamar as pessoas para comprar. Outro exemplo, você viu baixar o preço das coisas no supermercado? Não. Mas baixou para nós, produtores de leite.
Há solução para o problema? A minha sugestão é trancar por 60 dias a importação do leite em pó e pedir a esses países, a Argentina ou Uruguai, qual a média de produção, como produz, quanto produz, qual a qualidade do leite
e vamos avaliar. Se está tudo certo, então tá bom, o mercado é livre. Agora, se o leite é da Nova Zelândia, se é de qualidade duvidosa, se está tendo reidratação desse leite no Brasil, aí medidas maiores devem ser tomadas.
Acho muito improvável que diminuam a importação, é mais fácil o governo negociar as dívidas dos produtores. Mas negociar uma dívida não a faz sumir, faz movimentar os setores bancário e financeiro, que bancam o governo.
O que os governantes e gestores fazem e dizem a respeito? Há sim pessoas se manifestando, há deputados propondo projetos de lei, mas se o governo federal não tem vontade política, o problema não será resolvido. O produtor de leite não pode ficar em uma manifestação, às 15h ele tem que voltar para casa para ordenhar a vaca.
Os prefeitos de fato não têm nenhum poder para mexer no preço do leite, mas se eles têm visão, valorizam seus produtores, eles devem ligar para seus deputados federais e reclamar com eles. Lembrando que, nossos municípios são essencialmente agrícolas. Há muita desinformação por parte dos políticos. Estive recentemente em uma audiência pública com autoridades municipais, regionais e estaduais, em São Miguel do Oeste, audiência esta que não contou com a presença de nenhum deputado do PT (Partidos dos Trabalhadores).
Muitos acham que só o pequeno está perdendo, mas a realidade é que o meu preço e o do pequeno produtor são os mesmos. O custo de produção do pequeno, do médio e do grande são diferentes, não há o que inventar, mas não existe dizer que o pequeno ganha pouco porque o grande ganha muito. Isso é o mesmo que dizer que o culpado por eu ter um gol é o cara que tem um Mercedes.
Que alternativa os produtores têm? Sem perspectiva de melhora nesse cenário,
os produtores têm como alternativa, tentar diminuir os custos de produção, mas há um limite do quanto é possível enxugar as contas sem diminuir a produção. A nossa média diária de produção é 42,6 litros por vaca, é uma média de produtividade alta, que não pode baixar, não há como deixar de alimentar a vaca.
Produzir leite é uma atividade prazerosa para nós. Hoje temos pessoas empregadas aqui, consequentemente somos responsáveis por inúmeras famílias e contribuímos com o movimento do comércio local, mas não sou instituição de caridade, se não der lucro, eu paro. Sempre brinco que não gosto da vaca, gosto do resultado da vaca.
As pessoas que estão aqui têm condições dignas de trabalho, temos bem-estar animal, mas nós somos bombardeados o tempo todo. ‘Ah o produtor desmata’, ‘O produtor maltrata a vaca’, o produtor é isso ou aquilo. Você acha que algum produtor de leite maltrata sua vaca, maltrata aquilo que dá lucro pra ele. A realidade é que
a grande maioria das pessoas não tem noção de onde vem o leite, para essas pessoas, deixo o convite, para que venham, conhecer como funciona a produção de leite. Receba as notícias do Portal Sentinela do Oeste no seu telefone celular! Faça parte do nosso grupo de WhatsApp através do link: https://chat.whatsapp.com/Bzw88xzR5FYAnE8QTacBc0 Siga nosso Instagram: https://www.instagram.com/jornalsentinela/