Existem três projetos de lei tramitando em Brasília, propondo a revogação da lei de alienação parental.
Criada para assegurar o direito de convivência e para evitar a separação ou manipulação entre menores e familiares, a norma é alvo de críticas. Seu uso deturpado em favor de genitores acusados de abusos é apontado como a principal falha da lei
Nesse sentido, segundo o senador Magno Malta (PL-ES), – Projeto 1.372, “a lei dá brecha para que pais abusadores consigam obter a guarda dos filhos, o que coloca o menor em perigo”.
A revogação da norma é defendida pelo governo federal, por integrantes da oposição e por organismos internacionais. Inclusive, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou o projeto que revoga integralmente a lei. A proposta é de autoria do senador Magno Malta e teve, na primeira etapa de discussões, relatoria da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). E existe um projeto semelhante — de autoria de deputados governistas — em andamento na Câmara.
A Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que a lei pode levar à discriminação contra mulheres e meninas e favorecer casos de violência doméstica e sexual.
O parágrafo único do artigo 2º da Lei de Alienação Parental (Lei 12.318/2010), exemplifica tipos de atos de Alienação Parental, veja qual destes você já presenciou:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI -
apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.”
O inciso VI deixei em negrito, para chamar a atenção do leitor. Esse inciso tem sido mal utilizado por pais abusadores, o que vem sendo forte argumento para a revogação da lei.
A lei, redigida de forma didática, pretende que não seja ferido o direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, nem que haja prejuízo nas relações de afeto com genitor e com o grupo familiar, desde que, não seja confirmado o abuso, onde teremos o art. 6 da lei com seus instrumentos de aplicação.
Caso um dos genitores esteja usando a Lei para esconder reais abusos, o problema deve ser aclarado pelos profissionais e as instituições do Sistema da Justiça, pois toda e qualquer decisão precisa ser fundamentada em provas, depois do contraditório e da ampla defesa.
Precisamos dar mais voz para as mulheres que muitas vezes sofrem, sentem na pele o dilema do pai alienador e não é devidamente valorizada na justiça, por um olhar machista, patriarcal e desqualificado.
Não é forçoso lembrar que, mesmo que a Lei de Alienação Parental seja revogada, continuará sendo crime o previsto no art. 339, “Dar causa a instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente”
Ou seja: um suposto pedófilo, arquiteta seu abuso, a mãe sente, vê, percebe, mas não consegue coletar provas, e no fim, o abusador também poderá invocar, em sua defesa, que está sendo vítima de “denunciação caluniosa”.
Importante ressaltar que sem a Lei de Alienação Parental, os filhos ficam à mercê dos alienadores, que podem ser homens, mulheres, pais, mães, avós, tios, madrastas, padrastos e outros.
A norma 12.318/2010 deixa clara a necessidade de uma avaliação psicológica com especialista qualificado que esclareça a dinâmica disfuncional da família, traços de personalidade dos genitores que contribuam para a caracterização da alienação e os reflexos nos filhos. Ou seja, uma avaliação que não se encontra em nenhum outro dispositivo legal. Além disso, há gradações previstas na lei que permitem uma prevenção e correção da situação familiar levantada, como advertências, acompanhamento psicológico, multa, inversão da guarda ou custódia unilateral.
A Lei de alienação parental que tem como base a proteção deve ser aperfeiçoada e não revogada, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente sozinho não consegue abarcar todas as demandas relacionadas as crianças e aos adolescentes.
Só fazendo um comparativo, a Lei Maria da Penha, de 2006, já foi modificada pelas Leis 13.505/2017, 13.641/2018, 13.772/2018, 13.827/2019, 13.871/2019, 13.880/2019, 13.882/2019, 13.894/2019, 13.984/2020, o que deve ser feito com a Lei de Alienação parental, um simples avanço.
O Congresso Nacional precisa urgente aprofundar os estudos sobre o tema. Observar os casos concretos, dar voz as mulheres, aprimorar o que veio para evoluir e proteger os menores.
Precisamos de um debate profundo para proteger os interesses das crianças e dos adolescentes, porque se a pessoa mais bem capacitada para fazer o bem e dizer a verdade também é a melhor capacitada para fazer o mal e para mentir, o sistema de justiça das famílias precisa criar instrumentos capazes de detectar esse paradoxo, sob pena de chancelar o falso e o odioso dos adultos.
Juliane Silvestri Beltrame Especialista em Direito das Famílias e escritora.