No dia 10 iniciou o ano letivo de 2025. Como de costume, em fevereiro as crianças e adolescentes retornam às escolas, porém neste ano com novidades. No mês passado o presidente Lula sancionou a Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de celulares durante as aulas, recreios e intervalos. O assunto repercutiu entre os alunos e professores, para esclarecer melhor como a nova Lei impacta no desenvolvimento estudantil, o jornal Sentinela do Oeste conversou com alguns diretores, orientadores e assistentes pedagógicos das escolas da região onde o Sentinela circula com a versão impressa: Palma Sola, Campo Erê, Anchieta, Flor da Serra do Sul, Guarujá do Sul e São José do Cedro.
Em Santa Catarina, já havia uma lei que restringia o uso de aparelhos nas salas de aula de instituições públicas e privadas de ensino. A Lei 14.3638, aprovada em 2008, sancionada pelo ex-Governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira [em memória], proibia o uso dos aparelhos nas escolas, porém o monitoramento era definido por cada instituição.
As escolas adotaram o método das “caixinhas”, onde os alunos ao chegarem na sala de aula, colocavam seus aparelhos ali. Algumas escolas permitiam a retirada na hora do recreio e na troca de professores, porém outras, somente na hora de ir embora.
Para os alunos da EEB Claudino Crestani, de Palma Sola, e da EEB Emílio Garrastazu Médici, de Campo Erê, nada vai mudar. Ambas as instituições seguiam a Lei Estadual, sendo permitido o uso do celular somente em casos de emergências ou quando o professor solicitava para fins pedagógicos.
De modo geral, os profissionais das escolas EEB Claudino Crestani, EEB Médici, EEB Professora Elza Mancelos de Moura, de Guarujá do Sul, e EEB Cedrense, de São José do Cedro, que a equipe do Sentinela conversou, observam que o uso do celular, como era feito pelos os estudantes, impactou em várias áreas do desenvolvimento deles, sendo elas: concentração, socialização, interpretação e criatividade. “São diversas áreas que a gente percebe que o uso excessivo do celular, não propriamente da tecnologia, faz com que eles tenham perdas”, informa a orientadora educacional do EEB Médici, Larissa Riboli.
“Estava ansioso por esse momento. Essa é a minha opinião quanto professor, pessoa e ser humano. Esperava por isso há muito tempo”, declara Ademir Kuhn diretor da EEB Elza Mancelos de Moura de Guarujá do Sul.
Falta de concentração
Os profissionais percebem que os estudantes de hoje estão muito mais desatentos do que a geração anterior, eles não conseguem manter o foco nas atividades propostas pelos professores.
Algumas das escolas realizaram alguns testes liberando o aparelho em momentos específicos, porém em ambas o resultado foi negativo. “O toque, ou quando o celular vibrava, tirava a atenção dos alunos, dispersando uma turma inteira. Então vimos que a melhor solução seria proibir”, relata a diretora do EEB Claudino Crestani, Leomara Pedo, popular Leo.
A medida já havia sido adotada pela EEB Cedrense em uma das turmas da escola. A diretora Denise Angeli, conta que no início do segundo trimestre de 2024, essa turma em questão, teve uma rentabilidade muito baixa e em acordo com os pais, foi proibido o uso do celular.
Após essa decisão, a turma passou a melhorar a sua rentabilidade e a ter bons resultados. Porém com o passar do tempo os alunos voltaram a trazer o celular para escola, o que consequentemente diminuiu a rentabilidade da turma.
Dificuldades em socializar
O uso desenfreado dos celulares tem desestimulado, principalmente os adolescentes, a interagir com outras pessoas. O hábito de interagir mais virtualmente do que pessoalmente, tem feito com que os estudantes tenham dificuldades em manter um diálogo e entender o posto de vista do colega.
Nas escolas da região onde foi implantada a Lei Estadual, é possível perceber uma melhora significativa na socialização dos alunos. Larissa comenta que em algumas atividades, à exemplo dos jogos de interséries, o celular é liberado. E ao olhar eles na arquibancada percebem que aqueles que não têm celular, ou não levam a escola, conversam e interagem com os colegas. “Percebemos que quando estão com o aparelho, se isolam. Quando estão sem o aparelho, socializam”, declara Larissa.
Nos recreios é possível ver a diferença, os alunos com acesso ao celular não brincam e não conversam com os colegas, enquanto os demais passeiam e socializam através dos jogos disponibilizados pela escola.
Falta de interpretação
Outra área que causou grandes prejuízos foi a falta de interpretação. Por conta do mundo digital ser muito rápido, contendo informações breves de apenas um parágrafo, os estudantes têm dificuldades para interpretar um texto, um livro, situações do cotidiano e uma problemática da área de matemática. “Eles leem, leem, mas não entendem nada”, reforça Larissa.
Além disso, a falta de interpretação prejudica a escrita, pois no virtual é possível abreviar as palavras, não se faz o uso da pontuação e acentuação, pois o próprio corretor automático sinaliza. Ao escrever no papel, não é possível essa correção automática.
Falta de criatividade
Através do celular e da internet, as pessoas têm acesso ao mundo. Com o passar do tempo o processo de criatividade se tornou limitado, alguns professores percebem essa diferença de gerações, principalmente na produção dos trabalhos.
Podendo ser até trabalhos visualmente interessantes, porém sem o processo de criação dos alunos, sendo algo reprodutivo: “Se perdeu esse processo de uma mente reflexiva, mais criativa, ficando só na reprodução do que já existe”, destaca a assistente técnica pedagógica, da EEB Elza, Rejane Goetz.
Vício em jogos eletrônicos
Talvez, os jogos eletrônicos sejam um dos maiores vilões no desenvolvimento dos alunos. Os profissionais relatam ser perceptível os alunos viciados em jogos eletrônicos, os mesmos apresentam comportamentos estereotipados, como: bater a perna e morder tampas de caneta.
Esses comportamentos demonstram que os alunos estão ansiosos e que para eles aquela aula não é “interessante”, pois o meio virtual, os jogos, é mais atrativo do que estar em uma sala de aula aprendendo determinado conteúdo.
Além disso, os vícios em jogos eletrônicos têm causado problemas financeiros para as famílias. Rejane comenta que no ano passado o número de estudantes viciados em jogos online aumentou na escola. Alguns destes alunos realizaram apostas financeiras, aumentando ainda mais os riscos.
Cérebro podre com o uso excessivo das telas
Embora possa parecer exagerado à primeira vista, uma pesquisa citada pelo jornal britânico, The Guardian, indica que o uso excessivo de mídias sociais e o consumo compulsivo de conteúdo de baixa qualidade, como notícias sensacionalistas, teorias da conspiração e entretenimento vazio, podem literalmente encolher a massa cinzenta do cérebro, diminuir a capacidade de atenção e enfraquecer a memória. Uma combinação de efeitos que faz com que o termo "cérebro podre" não pareça exagerado.
Em geral, o quadro atual é preocupante. Uma meta-análise de 27 estudos de neuroimagem [pesquisas que usam técnicas de imagem médica para investigar o cérebro humano], revelou que o uso excessivo da internet está associado a uma redução no volume de massa cinzenta em regiões críticas do cérebro, responsáveis pelo processamento de recompensas, controle de impulsos e tomada de decisões. Essas alterações são semelhantes às observadas em casos de dependência de substâncias como metanfetaminas e álcool.
Muito além de problemas estudantis, o uso desenfreado das telas tem afetado a vida das crianças, adolescentes, adultos e idosos como um todo. Com um dos maiores índices mundiais de celular por habitante, o Brasil também é um dos líderes em tempo de tela em todo o mundo, estima-se uma média de uso de pelo menos 9h diárias. A pesquisa TIC Kids Online, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, estima que 95% das pessoas entre 9 a 17 anos seriam usuárias de internet, principalmente por meio de aparelho portátil.
Abstinência dos alunos
Sem espaços para discussão, os professores se preparam para as possíveis crises de abstinência dos alunos. Alguns dos estudantes tentam burlar a Lei, porém para cada ação há uma reação. Caso os alunos sejam pegos usando o celular sem autorização, são encaminhados para a direção, feito um registro escrito e convocado as famílias para resolver o problema. Mediante a isso, o celular é recolhido e devolvido somente para os pais ou responsáveis.
O diretor Ademir, acredita que os pais deveriam trabalhar esse assunto com as crianças e adolescentes em casa, incentivando-os a não levar esses aparelhos para as escolas.
O uso das tecnologias nas escolas
As escolas disponibilizam projetores, notebooks para os professores e outras ferramentas tecnológicas que podem ser utilizadas para deixar as aulas atraentes. Portanto, os professores ao planejar suas aulas utilizam dessas ferramentas, então mesmo sem o uso do celular nas escolas, os alunos não irão deixar de ter acesso às tecnologias.
“Percebemos que os alunos não usam o celular como uma ferramenta potencializadora da sua aprendizagem, eles usam as redes sociais: Instagram, Facebook, WhatsApp, TikTok e principalmente os jogos eletrônicos”, relata Larissa.
Ao contrário do que muitos alunos pensam, a tecnologia não é inimiga da escola, os profissionais comentam que ela precisa andar lado a lado com o ensino. Embora ainda seja necessário cultivar o hábito da leitura, para desenvolver a interpretação de texto.
“De forma alguma somos contra a tecnologia na educação. Mas o uso do celular saiu do controle, porque ele não era usado como ferramenta pedagógica, mas para distração dos estudantes”, declara Rejane.
Preparando os professores para a nova geração
Cada vez mais os professores precisam buscar novas ferramentas para atrair a nova geração de estudantes, porém além da atração precisam se preparar para a abstinência e os tipos de transtornos de aprendizagem dos alunos.
“A nossa dificuldade não está em formar o professor para a nova geração, porque ela está vindo muito defasada, mas sim em ensiná-los a olharem para as tecnologias como um potencial de aprendizagem”, relata a orientadora educacional, Larissa.
Comparações na aprendizagem
Com a nova Lei, o Brasil se junta aos países: México, Portugal, Espanha, Suíça, Estados Unidos, Holanda, Letônia e Escócia, onde o uso do celular nos ambientes escolares já era proibido.
Jucélia Dalpiás, que atualmente trabalha na Secretaria da EEB Elza Mancelos, conta que trabalhava em uma escola onde o uso do celular já era proibido e percebeu uma diferença expressiva entre os alunos. Pois na outra escola, os estudantes eram mais focados, tinham mais amizades, conversavam e brincavam mais. Porém no Elza, grande parte dos alunos eram viciados no celular, passando mais tempo nas redes sociais e jogando, do que interagindo com os outros colegas. “Na minha opinião o celular faz muito mal para as crianças e adolescentes”, afirma Jucélia.
“A gente acredita muito na melhoria da comunicação, socialização, aprendizagem e do empenho. Estamos apostando muito em tudo isso”, conclui a diretora Denise Angeli.