30/06/2021 às 09h53min - Atualizada em 30/06/2021 às 09h53min
Efeito colateral
Coluna de opinião do jornal impresso
O tamanho da tragédia que está sendo a pandemia de Covid-19 no Brasil, não precisa de ilustração maior do que o macabro salto de mais de 400 mil mortos pela doença. Também pode ser contado pelos milhões de infectados e pelo imenso contingente de brasileiros que perderam as fontes de renda e viram embaçadas as suas perspectivas de futuro. Ou pelos outros tantos que tiveram de mudar a rotina pelo enclausuramento forçado ou pela limitação das atividades. Mas a profundidade do impacto provocado pelo vírus começa a ser medida também por meio de alterações importantes no perfil da população. Estudo conduzido pela pesquisadora Márcia Castro, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, mostra que, no ano passado, a expectativa de vida recuou 1,94 ano em média no país. No Brasil, a relação entre nascimentos e mortes, que era de 2,20 para 1 antes da crise, caiu para 1,26 para 1 neste ano. Em algumas localidades, foi pior: o número de mortos superou o de nascidos pela primeira vez.
No caso do baque sobre a expectativa de vida, a crise sanitária teve efeito ampliado de forma cruel no contexto da desigualdade social brasileira. A incidência da Covid-19 é maior em pessoas de baixa renda, mais suscetíveis às turbulências econômicas e que enfrentam mais dificuldades no acesso à saúde. Um recente estudo mostrou que bairros pobres de São Paulo têm três vezes mais mortes por coronavírus do que as áreas de melhores condições. A despeito da tragédia de milhares de vidas ceifadas pela doença, o recuo da expectativa de vida nacional deve ser transitório. Assim que a pandemia for controlada, o indicador tende a caminhar progressivamente para os níveis pré-pandemia.
Já a queda de natalidade é uma tendência duradoura, com impacto no perfil demográfico do país. No primeiro trimestre de 2021, o Brasil registrou quase 10 mil nascimentos a menos do que no mesmo período do ano passado. Os especialistas creem que a curva negativa da taxa de natalidade continuará aumentando, como reflexo direto do número de casais decididos a postergar o desejo de ter filhos. O Ministério da Saúde, pediu em 16 de abril que a gravidez fosse evitada neste momento porque as variantes do vírus seriam mais letais em gestantes. Mesmo quando a vacinação em massa tirar o país da agonia sanitária, a difícil recuperação econômica no pós-pandemia deve inibir a alta da taxa.
A queda da natalidade reforça um movimento pelo qual o Brasil já vinha passando. Por motivos que vão do aumento da entrada das mulheres no mercado de trabalho ao maior acesso aos métodos contraceptivos, o país enfrenta um processo de envelhecimento muito mais rápido que o verificado em nações desenvolvidas. Segundo projeções da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2030 o Brasil terá mais pessoas com idade acima dos 60 anos do que jovens de até 14 anos, no mundo, essa proporção será alcançada em 2050. “A pandemia só agrava essa tendência”, afirma o sociólogo José Eustáquio Diniz Alves. Se os nascimentos caírem mesmo num ritmo mais veloz, a base da pirâmide etária do Brasil vai diminuir no mesmo compasso e o país poderá experimentar desafios adicionais em questões como o déficit previdenciário e na pressão por recursos para a saúde. “É fundamental pensar agora em estratégias para tentar minimizar esse impacto” diz Roberto do Carmo, professor do Departamento de Demografia da Unicamp. Dessa forma, enquanto luta ainda para debelar a pandemia, o Brasil precisa se preparar desde já para a herança que será deixada por ela.
Texto de Edoardo Ghirotto
Por: Odila Flach
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