Uma recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afastou hipótese de impedimento legal (art. 447, § 2º, inciso I, do Código de Processo Civil) para admitir que os filhos comuns do casal possam depor como testemunhas no processo de divórcio dos pais, por possuírem vínculo de parentesco idêntico com ambas as partes e não existir uma parcialidade presumida, não devendo ela prestar compromisso e cabendo ao juiz valorar suas declarações em conformidade com todo o acervo probatório carreado aos autos.
Ocorre que não podemos negligenciar o fato de que o desenvolvimento da psique dos filhos é afetado de forma positiva ou negativa, conforme cada genitor alimenta diariamente na convivência familiar, podendo afetar essa avaliação da personalidade.
Outro ponto a ser observado é se esse filho sofre ou sofreu alguma alienação parental no lar, se ele está sendo manipulado por um dos cônjuges, se ele presenciou alguma violência física ou psicológica, foi vítima, ou até pelo fato de que na alma o filho ama cada genitor de forma igual, afinal eles lhe deram, a vida.
O Ministro Marco Aurélio Bellize, destacou que as hipóteses de impedimento e suspeição da testemunha partem do pressuposto de que a testemunha tenderia a dar declarações favoráveis a uma das partes ou ao resultado que lhe seria benéfico. Assim, “não se verifica uma parcialidade presumida quando a testemunha possui vínculo de parentesco idêntico com ambas as partes, sobretudo quando não demonstrada a sua pretensão de favorecer um dos litigantes em detrimento do outro”, afirmou
Se a família sempre foi organizada e funcional, o que inclui uma ajuda mútua e lealdade entre o casal parental, este processo conhecido como de triangulação, vínculo com cada um dos pais e exclusão do outro, será elaborado de uma forma mais tranquila, evitando maiores julgamentos.
No entanto, se o casal parental tem um vínculo de competição, brigas constantes, relação tóxica, buscando a aliança com os filhos e mesmo tentando excluir o outro, criando conflito de lealdades e buscas incessantes por tentar privilegiar um lado da relação, chegando ao ponto do filho se sentir culpado pelo término do relacionamento de casal, esse quadro irá com toda certeza prejudicar a lisura do depoimento.
Lembremos que as situações de divórcio ou dissolução da união estável são situações em que os genitores costumam estar emocionalmente fragilizados, muitas vezes, ambos os cônjuges mal conseguem dissolver a dor, a raiva, chegando a cair em depressão, sentindo na pele todas as fases de um luto.
Portanto, ao se convocarem os filhos como testemunhas, pode ocorrer um grande abalo emocional na alma dos filhos, sendo imperceptível no momento, mas com o passar do tempo essa criança ou adolescente poderá sofrer por ter emitido algum julgamento de valor no momento do depoimento. Assim, a ordem familiar fica quebrada, pois os filhos sempre serão pequenos diante dos pais.
Sabemos que o divórcio é um direito potestativo, assim o depoimento do filho não mudará a decisão do cônjuge que optou pela separação. Os demais requisitos em discussão em um processo de divórcio (bens, período de convivência, capacidade econômica, forma de convivência, visitas, pagamento de pensão alimentícia) são assuntos que poderão gerar em um dos cônjuges ressentimentos que prejudicará a relação filial no futuro.
Assim, o melhor meio para se resolver um conflito familiar, ainda mais quando tem filhos, é a conciliação, bem como outras práticas restaurativas dos conflitos como a comunicação não-violenta, a escuta empática, o direito sistêmico.
O Direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião etc.) e busca encontrar a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio.
Dessa forma, costumo orientar as partes que um acordo é sempre a melhor saída para uma família parental preservar valores, evitar conflitos reiterados, estabelecer cuidados mútuos, objetivando sempre a conscientização, o diálogo, para promover um círculo de paz.
Juliane Silvestri Beltrame Especialista em direito das famílias e escritora
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