Nascido em Marau, distrito de Passo Fundo-RS, Adelino Piccoli é o mais novo de 15 irmãos. Na semana passada, recebeu a equipe do Jornal Sentinela em sua casa, numa manhã chuvosa e fria, para conversar e contar um pouco de sua história.
A infância Adelino nasceu em 3 de janeiro de 1933, e está no auge de seus 85 anos. “Eu morava na colônia e meu serviço era levar o café para os irmãos mais velhos que iam cedo trabalhar. Fui o 15º filho, dos quais o mais teimoso sou eu, o único que teima em continuar vivo”, brinca.
A mãe, Rosa Fontana Piccoli e o pai Carlos Piccoli, trabalhavam juntos na lavoura onde criaram os filhos. “Tínhamos vacas de leite, porco e ovelha, tudo criado em duas colônias de terra onde plantávamos algumas sementes e alimentos para o consumo. Vivi minha infância lá, sem muitas brincadeiras, mas ainda me lembro bem do meu companheiro, um cavalo branco, que era meu. Eu ia no moinho com ele, ia na cidade, e aproveitava para me divertir passeando. Não lembro quem me ensinou a montar, mas acho que foram meus irmãos, talvez o Felício que era o que estava mais junto comigo”, recorda.
As lembranças da infância são poucas, mas Adelino afirma que não tinha muito com quem brincar, embora tivesse muitos irmãos, porque todos tinham tarefas para fazer. “A minha irmã Adélia, que era logo acima de mim, era com quem eu mantinha mais contato. Como os vizinhos moravam longe eu brincava sozinho. Mas eu fui um bom menino, não aprontava, e nunca apanhei de minha mãe, nunca”, conta orgulhoso.
Adelino não tem muita lembrança do pai, que morreu quando ele ainda tinha seis anos. “Nem sei do que faleceu, só sei que foi de repente. Então a mãe continuou cuidando dos filhos mais novos com a ajuda dos mais velhos”, conta.
Ida para o seminário Aos 12 anos Adelino foi para o seminário. “Me falaram que lá não precisava trabalhar na roça. Mas eu tive tanta sorte quando cheguei lá, que no dia seguinte me deram uma enxada para eu carpir. Não adiantou tentar fugir”, conta rindo.
Na época os seminaristas plantavam, tinha bastante terra em Veranópolis. Adelino permaneceu lá por seis anos, e embora tivesse que ajudar na roça às vezes, agradece por ter conseguido estudar. “Lá podíamos brincar. Tinha jogo de futebol, jogos de tabuleiro e outras diversões. Logo no começo do dia íamos para a missa, depois para a sala de aula. Éramos em 200 seminaristas”, lembra.
Adelino conta porque precisou sair do seminário. Estava ficando cego. “Nunca senti dor, porém do olho direito praticamente não enxergo nada. Me trataram em Passo Fundo, Caxias, Porto Alegre, mas não adiantou. Então tive que me conformar, embora tenha contado com uma força Dele lá de cima, porque de um dos lados continuo enxergando”.
Construindo a história Após o acontecido Adelino voltou para Marau, onde morou na casa da mãe por um tempo. “Voltei a trabalhar na colônia e fiquei por pouco tempo. Depois fui morar com meus irmãos que tinham casa de comércio, como chamávamos na época. Morei com o Davi e sua família na comunidade de Pedra Liza, que pertencia ao município de Joaçaba naquele tempo, e agora pertence a Água Doce”.
Antes de casar Adelino construiu uma casa na Pedra Liza, e depois casou-se com Cilda Mendes. “Convivi com ela 52 anos, até ela falecer. Fruto do nosso casamento e amor nasceram 10 filhos. O mais velho, Aldo, nasceu ainda na Pedra Liza, os outros já nasceram em Anchieta”.
Adelino mudou-se para a região de Anchieta dois anos depois de casado, a pedido do irmão Vitório. “A viagem durou um dia inteirinho. Viemos com a mudança de caminhão e firmamos residência. Era difícil, uma estrada de chão. Mas nos mudamos porque aqui tinha terra boa”, conta.
Quando veio para cá, na década de 50, Adelino encontrou o irmão Vitório, que já morava na região há cerca de 4 anos. “Já não era mais tudo mato. Quer dizer, uma parte pelo menos não era”, conta rindo.
Dos 10 filhos, Ilse e Carla moram Anchieta; Elso mora na linha Gaúcha; Ruti mora em Campo Erê e Ilda mora em Palma Sola; Rita em São Miguel do Oeste e a Cilda em Erechim. “Para criar os filhos tinha dificuldade, sem dúvida. Mas graças a Deus ninguém morreu de fome. Tínhamos para sustentar a família e vivem razoavelmente bem”, afirma.
Uma das maiores alegrias da vida de Adelino é a família. “Amo muito e agradeço pela minha família e minha saúde. Sempre onde morei tive muitos amigos e nenhum inimigo. Sempre colaborei com entidades e diversos setores. Sem querer bancar o orgulhoso eu fui o cabeça de quase tudo o que tem aqui em Anchieta”, conta.
Em 2005 Adelino ficou viúvo. “Não sei direito do que ela morreu. Estava bem e poucos dias depois faleceu. Mas há oito anos, Teresinha Polita é minha companheira de vida”.
Luz Elétrica Da região Extremo Oeste, Anchieta foi o primeiro município a ter luz elétrica 24 horas. Isso aconteceu no início da década de 60, devido a iniciativa de Adelino em construir uma usina. Quem ajudou na construção foi Roberto Ferretti, de Água Doce. A estrutura, construída no rio Capetinga funciona até hoje. “Não levou muito tempo, nem foi tão difícil, porque para fazermos a usina construímos a barragem, fizemos a canalização da água e colocamos os equipamentos para a distribuição”, lembra.
Independência Adelino foi um dos articuladores para a criação do município de Anchieta. “Anchieta era distrito de São Miguel do Oeste, ai quando Guaraciaba passou a ser município Anchieta pertenceu a Guaraciaba, mas os moradores daqui não gostaram muito porque Guaraciaba era tão pequeno quando nós. Ai a gente foi atrás para criarmos nosso município. Houve um acordo entre os moradores daqui, concorri a vereador pelo município de Guaraciaba, me elegi para o Legislativo de lá e então propus um projeto para criar o Município de Anchieta”, lembra.
Religião Sempre envolvido com ações da comunidade, Adelino que é ministro da igreja, foi uma das pessoas que ajudou na fundação da paróquia. “Lembro que fui a Passo Fundo pelo menos duas vezes para conseguirmos criar a paróquia daqui. Passo Fundo era a sede dos padres da Sagrada Família e ai, após conversas e articulações, conseguimos a criação da Paróquia Santa Lúcia, que pra mim foi um grande sucesso”, lembra.
Educação Adelino também foi um dos articuladores para trazer uma escola de segundo grau para Anchieta, o CNEC. “Tinha ensino fundamental, mas ai chegava numa idade não tinha mais como estudar, a menos que as crianças fossem morar em São Miguel. Então começamos as tratativas para trazer a Companhia Nacional das Escolas da Comunidade (CNEC) aqui em Anchieta, para que os alunos fizessem o primeiro grau aqui”, lembra. Essa escola funcionou por 35 anos em Anchieta.
Outras contribuições O campo de futebol, clube, e outros locais para eventos, esporte e lazer também contaram com a contribuição de seu Adelino. Mas seu maior orgulho foi ter ajudado na construção do Hospital. “Lutei muito pelo hospital, fiz diversas viagens para conseguirmos ver a ideia sair do papel. Hoje me sinto triste por não termos mais o hospital, mais ainda sonho com ele funcionando novamente”, afirma. Adelino também foi prefeito de Anchieta, e participou de inúmeras ações sociais e de entidades da comunidade anchietense.
Sobre a vida Sobre agradecimentos Adelino afirma que o principal é a Deus. “Pela saúde, pelo tempo que me deu e por tudo que Ele me ajudou. Agradeço também à Nossa Senhora do Carmo, de quem sou bastante devoto”.
Adelino destaca que sempre tentou levar uma vida descente, uma vida boa. “Não tenho arrependimentos e vejo que o que eu desejei, consegui. Casar, constituir família, continuar vivo e bem acompanhado. Teresinha, minha companheira, é um anjo da guarda pra mim e sinto-me feliz por ter realizado muitas coisas. E tomara que Deus me conserve por mais 100 anos”, brinca.
Curiosidade A primeira televisão de Anchieta, preta e branca, foi comprada por Adelino em São Miguel do Oeste. “Paguei caro, mas valeu a pena. Era época de copa, e nos dias de jogo do Brasil enchia de gente aqui em casa para tentar dar uma espiadinha na partida. Foi a copa de 70, o Brasil ganhou todos os jogos, e ficamos tão acostumados com eles ganhando desde o começo que a cada jogo as pessoas me pediam ‘de quanto o Brasil ganhou?’, por que sabiam que o time era tão bom que não tinha como perder. A TV não funciona mais, mas está aqui guardada como uma relíquia”, finaliza.