Foto divulgação do livro "Um Povo Chamado Campo Erê" Nesta edição, o Jornal Sentinela destaca a trajetória de Moralino Antunes de Lara, mais conhecido como Nene, filho do também lendário Marca Véia. Suas memórias ganham vida no livro “Um Povo Chamado Campo Erê”, que celebra os 50 anos da cidade. Escrito por João Neir Pontes Rocha e lançado em 2008, o livro conta a história de várias famílias pioneiras em Campo Erê, Palma Sola e região. Nesta edição iremos relatar trechos do livro que contam a história de Nene, sua paixão pela música e sua vivencia nos bailes da região.
“A primeira gaita ganhei de meu pai, aprendi tudo com ele, pegava as músicas de ouvido e ia treinando com meu irmão. Com o tempo, compramos um violão e logo estávamos tocando bailes na região. Quando o salão era muito grande, a gente puxava uma mesa bem no centro e fazíamos a gaita chorar. Na mesa sempre tinha bebida, mas nunca passamos fiasco, era só para deixar a garganta boa. Na época não tinha microfone, então era só gaita, violão e peito veio. Tocamos muitos bailes, muitas vezes cada um ia para um lado tocar baile, saudades daquele tempo, fizemos muito dinheiro na época”, relembra Nene.
Descendente de Vicente Antunes de Lara, que chegou à região a mando de Dom Pedro II para cuidar da divisa com a Argentina, Nene conta com orgulho a história de sua família. Vicente trouxe consigo 12 filhos e 200 vacas gordas, e não sei mais quantos soldados correndo a costa do Brasil com a Argentina. Estabelecendo-se e pacificando a região, inclusive casando-se com uma índia, de quem todos os Lara que estão aqui têm descendência desta Bugra, então é tudo meio índio.
Dom Pedro deu uma fazenda para ele pelo serviço prestado, a área ia de Campo Erê à Santo Antônio do Sudoeste. Vicente dividiu a terra com os doze filhos, como não tinha agrimensor ele dividia a terra de uma sanga a outra.
Nascido em Dionísio Cerqueira, Nene cresceu em uma casa de madeira simples, sem serrarias ou médicos, apenas curandeiros. "Aprendi a ler e escrever aos 12 anos, viajando quase um dia a cavalo até a escola. O primeiro professor foi Dalilo Quintino Pereira. Em casa, trabalhávamos na roça e criávamos porco à base de pinhão", conta.
A vida simples e dura moldou Nene, que estudou apenas até o segundo ano do primário. A educação, embora, foi valorizada em sua família. "Meu pai dizia que o professor era nosso segundo pai, nos ensinando coisas boas", lembra.
Casado por 25 anos com Maria Esli de Lara, Nene teve cinco filhos. "Nos separamos por causa de ciúmes e brigas. Mesmo assim, criamos nossos filhos na casa de alvenaria onde ainda moro", relata. "Tentamos reatar, mas como dizem, a primeira vez pode funcionar, mas a segunda raramente dá certo. Acabamos nos separando definitivamente e dividimos tudo. Nossa primeira casa era de madeira lascada com chão de terra. As mulheres passavam uma mistura de bosta de vaca com cinza no chão para deixá-lo bonito, sem poeira e sem pulgas. Parecia um piso de material, mas era verde e durava um tempo antes de começar a descascar, e aí as mulheres caprichosas logo providenciavam mais mistura. Hoje, vivo na casa de alvenaria onde criei meus filhos, que na época era a melhor da região." Ele confessa que a única doença que o afetou foi a bebida, mas parou de beber há seis meses, sem arrependimentos pelo passado.
A vida de Nene também foi marcada por conflitos familiares e brigas. "Os Lara sempre foram meio brabos, mas nunca fomos de maltratar ninguém. O problema foi com os bancos. Perdemos nossas terras por não conseguir pagar empréstimos. Fomos avalistas de muitos amigos e parentes, mas os bancos não têm coração. Ninguém pode dizer que os Lara deixaram xina rica", lamenta.
Apesar das adversidades, Nene mantém a essência de sua história e a força de sua família. "Os Lara nunca deixaram ninguém na mão, mas também nunca deixaram de lutar pelo que é certo", conclui, refletindo sobre a resiliência e os desafios enfrentados ao longo da vida.